A circulação de livros em Recife-Olinda


Escrito isto (v. secção anterior), antes de começarmos a ler e comentar as referências bibliográficas clássicas e românticas, é tempo de espreitarmos o importante mercado livreiro recifense, do qual os angolenses teriam desfrutado largamente. 

Não sou economista, mas percebo que os livros circulavam no interior dos mercados locais e numa rede comercial de contornos imprecisos, tendo como sinapses os maiores portos de cada região envolvida. Era uma rede extensa, de fronteiras oscilantes, articulando vários desses mercados ou sinapses. No caso pernambucano, a chegada dos Estudos Jurídicos a Olinda-Recife e o funcionamento de bons colégios, entre os quais o Colégio Pernambucano e o da Aurora, bem como a existência do Seminário, mas sobretudo a chegada dos Estudos Jurídicos veio revitalizar o circuito bibliográfico local, pedindo ao meio uma estrutura que era apenas embrionária ali.

Por esse motivo e por uma prática transversal, de olho no lucro que podia vir de mais aquela fatia de clientes, muitas lojas não especializadas vendiam títulos, ora esporadicamente, ora dedicando-se um pouco mais a esse negócio específico. As livrarias não eram muitas, mas a existência destas lojas compensava a sua escassez – ao mesmo tempo em que inibia a criação de mais.

As poucas lojas de livros existentes chegavam para se cumprir ali um dos rituais da vida literária romântica, “a tradição dos escritores se reunirem em livrarias, transformadas quase em clubes de bate-papo literário” (Machado, 2001 p. 53). O mesmo autor afiança-nos que, “em 1821 não havia qualquer livraria no Recife” (Machado, 2001 p. 54). A ida para Pernambuco, entre 1769 e 1826, de 700 livros deve ter compensado isso e não cobre a totalidade das obras que terão circulado por ali nessa época. Se fizermos a comparação com os livros para cuja comercialização se pediu licença, no Portugal de então, o Alentejo pediu só 1 no mesmo período, Angola 7, Cabo Verde 6, Índia 24, Goa (especificamente) 69, e Moçambique 5. Em termos de Brasil a mesma quantidade (“em torno de 700”) foi pedida para o Rio de Janeiro e para Salvador, para o Maranhão foram 350 e 200 com destino ao Pará (Abreu, 2003 pp. 25-26). Talvez a lista não dê conta de tudo. É o que nos faz supor a informação de que, em 1800, “Luiz Caetano Barboza remeteu 1355 comédias, excertos, entremezes, eglogas” (Abreu, 2003 p. 38). Além disso e como sempre havia as importações por outras vias e sem autorização prévia. Os contornos imprecisos deixam-nos assim, sempre a desconfiar de mais alguma coisa e essa é uma postura científica…

Passando ao período em análise (mais precisamente 1827-1847) e à comercialização das obras, encontramos um panorama típico. 


Um local importante, para a compra e venda de livros no Recife, era a Praça da Independência (que, depois de uma pequena reforma em 1816, se chamava oficialmente Praça da União e vem mencionada assim até, pelo menos, fins de 1832 no Diário de Pernambuco). Situava-se no centralíssimo bairro de Santo António, onde se localizava a redação do Diário de Pernambuco. Era o coração da cidade e já existia no tempo de Maurício de Nassau (ficava ali o Terreiro, lugar de um grande mercado). Em 1816, com primeira requalificação, pequenas casinhas de vendas foram substituídas por lojas mais amplas. Estas eram as lojas que existiam ali durante o período em que a rede familiar e económica a que pertencia Maia Ferreira frequentava o Recife (manteve-se assim até 1905).

Nos anúncios de 1832 a 1837 (pelo menos), do Diário de Pernambuco, uma "loja de livros" situava-se nos n.os 37-38. Não sei se por gralha, ou se não era a mesma que em 1842 se localizava nos n.os 57-58. Em ambos os casos o volume de negócios desses empresários parece maior que o dos rivais – a julgar pelos anúncios. Em 1845 e em 1847, a loja de livros da Praça ficava nos n.os 6 e 8, quer fosse a mesma dos anos anteriores ou outra, e continuava a realizar um volume de negócios importante. Em um anúncio de 14.3.1844 (p. 4) e outros de 4.4.1844 (p. 4) e (dois anúncios) de 6.4.1844 (p. 4), do Diário novo, ela se localiza no n.º 9 e põe à venda mais uma longa lista de títulos.

Ainda na mesma Praça vendia livros em 1837 a “loja do encadernador”, certamente obras ali deixadas e que não eram levantadas, ou livros em segunda mão por qualquer outro motivo encadernados. Devia ser a mesma loja que ficava no n.º 26 da Praça, onde se vendia O consequente na mesma época e onde se faziam encadernações. É possível que fosse este o mesmo encadernador ainda que encontramos activo no comércio do livro em 1840.

Havia no mesmo lugar uma tipografia, que não consegui localizar com mais pormenor e que ao mesmo tempo fazia e vendia livros, anunciados em 1837 e 1842, por exemplo. Num anúncio do Diário de Pernambuco, de 3.11.1832 (p. 2035), vendia-se o n.º 29 de O Carapuceiro, saído à luz nesse dia e vendi-se ali ("Praça da União") no n.º 3, na tipografia Fidedigna. Seria a mesma? Em 1840 a tipografia Imparcial, que ficava também na Praça da Independência, anunciava uma “publicação literária” por subscrição. Tal publicação veio efectivamente a vender-se muito no local e no Brasil, dando pelo nome de O Eco da Religião e do Império. Este periódico, posto a circular em 1837, estava ligado a sociedades secretas absolutistas, sendo dirigido pelo padre ultramontano Francisco Ferreira Barreto (Lindoso, 2005 p. 54), que em 1849 publicará um comentário panegírico e entusiasmado ao famoso soneto de Bocage “Meu ser evaporei na lida insana” (Barreto, 1849)... Os grupos absolutistas tinham força ainda na capital pernambucana, onde estalavam constantemente polémicas e debates acesos com ambos os lados (liberal e absolutista) usando uma linguagem virulenta contra o opositor. Isso é interessante para nós, na medida em que o pai de Maia Ferreira, o seu sócio que foi residir para Pernambuco e mais alguns outros seriam absolutistas – ao contrário do que me parece ter sido o filho, bem como o irmão mais novo. Em parte, fica assim explicado que Joaquim da Silva Regadas (Pacheco, 1990 p. 249) se acolhesse ao Recife até morrer.

Mais uma vez na Praça da Independência, em 1840, ficava a loja de livros de Cardoso Aires, que em 1832 e em 1842 se localizava na Rua da Cadeia (com um cardápio de títulos assinalável). Em 13.4.1844, por anúncio colocado na p. 3 do Diário novo, ficamos a saber que essa loja se situava no n. 31 da "rua da Cadeia velha" e não se menciona a morte do autor, nem que fosse a viúva a gerir a loja. Pelo mesmo anúncio sabemos que só funcionavam duas lojas de livros na Praça nesse ano. Mostrando-se activa, ainda no n.º 37-38, uma segunda livraria, a loja do encadernador e a tipografia não seriam consideradas.

Não sei se alguma destas lojas se localizou, em 1844, no n.º 9 da Praça (ou se a que funcionava nos números 6 e 8 se alargara também para a porta 9). Sei que a loja desse número publica, por exemplo, anúncios de vendas de muitos livros e periódicos, no Diário novo, a 4 de abril desse ano (p. 4). 

Lugar importante, ali, para comprar e vender livros, a julgar pelos anúncios, era essa rua da Cadeia do Recife, integrada com outras ruas na atual av. Marquês de Olinda (bairro do Recife) e que tinha abrigado a primeira cadeia da cidade (não confundir, portanto, com a rua da Cadeia Nova, ou da Cadeia de S.to António, antes rua de São Francisco e, desde 1859, rua do Imperador - a mais antiga e central do bairro). A rua da Cadeia do Recife existia já no período holandês. Era uma rua de intenso comércio, onde por exemplo fez a sua fortuna, com uma loja de fazendas, o benemérito português José Rodrigues d’Araújo Porto (nascido em 1815). Aí se instalou, pelo menos entre 1863 e 1868, o editor alemão F. H. Carls. Ainda quando ali pesquisei (1996-2001) ela abrigava a Drogaria e Farmácia Conceição, que me diziam ser a mais antiga do Brasil.

Havia nessa rua lojas de livros no n.º 2, 20 (um sobrado, segundo o Diário novo, 5.12.1843, p. 4) e no n.º 36, (em 1837). Como já disse, aí se localizava em 1842 a loja de livros de Cardoso Aires, que não sei se era Manuel Cardoso Aires, mencionado numa lista de comerciantes como lojista de "calçados", pelo menos nos anos de 1845 e 1846. Havia, porém, um João Cardoso Aires (que podia ser até a mesma pessoa), em cuja casa se vendiam umas excelentes pílulas para quase todos os tipos de infeções e que só há três anos estavam em circulação no país. Essa casa, no entanto, ficava na rua da Cruz, o que soube através de um anúncio de 6.4.1844 em O diário novo (p. 3). Em 14.4.1844 se referia uma "loja de livros" no n.º 56 da "rua da Cruz do bairro do Recife" (p. 3); um mês antes, outro anúncio confirmava já essa morada (26.3.1844, p. 4). Por outro anúncio do mesmo Diário, mas de 14.8.1847 (p. 3), se vendiam novidades literárias vindas de Portugal (incluindo um livro sobre homeopatia e a História de Portugal de A. Herculano, o vol. II) numa casa da mesma rua, n.º 7, 2.º andar. Seria a de João Cardoso Aires? Pelo mesmo Diário, ainda, ficamos a saber que, na freguesia de S. Pedro Gonçalves, falecera em um português (aliás, "natural de Portugal") homónimo (4.3.1844, p. 3), com "79 anos e 13 dias, casado com Maria Cardosa da Conceição." Seria a viúva quem vendia os livros?

Para além da loja de Cardoso Aires, negociava a “casa” do “Sr. Burgard” vendendo por exemplo um periódico muito popular, o Espelho das Belas. A "casa" comerciava muitos outros títulos, a maioria em francês, comuns na época, por um anúncio de O diário novo de 2.3.1844 (p. 4), mas a loja era já "de fazendas da "viúva do Burgard no Pátio do Livramento". Na p. 4 da edição de 4.3.1844 ela passa a "viúva do Burgos" e localiza-se na "quina do Livramento" com a mesma "loja de fazendas".

Era ainda significativa a Rua Nova, artéria com história e garbo no Recife antigo. No tempo dos holandeses, ela começava num pequeno bastião, junto ao qual instalaram a casa da pólvora, mais tarde removida, sendo substituída pela igreja matriz de S.to António. A Rua Nova veio a alongar-se através dos aterros da ponte da Boa Vista no fim do século XVIII. Ao longo do século XIX e da primeira metade do século XX ela foi rua de intenso comércio, de cafés, mais tarde de cinemas, de estudantes e boemia artística e intelectual.

Aí se localizava, com uma “loja de livros”, em 1842, o “Sr. Bez” – não sei se o mesmo francês que partiu nesse ano para Angola. Sei que O liberal pernambucano noticiava a partida, para o Rio de Janeiro, em 27.12.1852, de "Napoleão Gabriel Bez e sua mulher". Também não sei se a loja é a mesma dada como “D13” em outro anúncio, ou simplesmente a que tantas vezes é referida só pelo nome da rua. Em anúncio do primeiro semestre de 1837, anuncia também uma extensa lista de livros uma loja nessa rua, mas no “D21”. Em 5.2.1845 o Diário de Pernambuco anunciava diversos livros à venda no "n. 5, segundo andar, defronte da matriz."

Napoleão Gabriel Bez precisa de um parágrafo só para ele. Terá estado envolvido, não só no comércio livreiro (Livraria Bez Deshayes), como também no comércio de escravos - e daí ganhar um sentido especial a sua ida a Angola em 1842, que se repetiu várias vezes até 1847, estabelecendo relações com traficantes de Luanda, revendendo escravos no Recife e no Rio de Janeiro, segundo A. Ramos de Santana. O navio em que seguia para o Rio de Janeiro, como anunciado por O liberal pernambucano a 30.12.1852, levava consigo "35 escravos com passaportes". Vindo dos Alpes suíços (nascera em 1811 em Embrun), o "sr. Bez" chegou ao Recife em 1830, depois de viver uns anos em Paris. Em breve começou a virar o comércio: 
Os livros vendidos na loja de Bez Deshayes eram destinados, em sua grande maioria, à comunidade europeia, à elite pernambucana e sobretudo aos alunos da faculdade de Direito do Recife. Com a demanda constante de sua clientela, não tardou muito para que o livreiro francês começasse a contrabandear livros. 
A julgar por anúncio do porto inserido em O diário novo, em 11.4.1847, o mesmo livreiro e negociante vinha do Rio Grande do Sul. Era o único passageiro. Na mesma página - 4 - se anunciavam muitos livros franceses, incluindo de Oratória, História (Michelet, Guizot, outros) e jurídicos (estes incluindo autores portugueses). O anúncio reportava-se à "loja de livros da rua do Colégio n.º 2", que se mantinha ativa nesse ano em ambos os diários. O diário novo, entretanto, anunciava, no seu número de 2.8.1842, que podiam subscrevê-lo na loja de livros da rua do Colégio, mas no D7 (a julgar por anúncios de 1842, do mesmo jornal, a loja era de "livros e de papel"). A sua tipografia ficava na rua da Praia, no D11. Era a Imparcial, de L. I. R. Roma. A julgar pelos anúncios desse ano do mesmo jornal, a loja tinha muitos livros para venda e não só franceses. Ainda por O diário novo ficamos a saber que, em 1844 (março) havia uma "loja de livros" no n.º 13, na qual se vendia o n.º 96 "do Guarda Nacional" e, no dia seguinte e a 7.3. e a 9.3. se anunciava o interesse de alguém na "Ilíada de Homero, por Pope, em inglês". A mesma loja é referida como tal ("de livros") em anúncio de 13.4.1844 (p. 4) e em outro do dia seguinte.

Passando ao Arco da Conceição, temos outro marco histórico, social e comercial do Recife desse tempo. Ele foi construído por ordem de Maurício de Nassau, para encabeçar a ponte que ligava a ilha do Recife (ou dos arrecifes) ao resto da cidade (inaugurada a 28.2.1643, chamava-se, até 1865, Ponte do Recife, hoje Ponte Maurício de Nassau). Foi à Ponte do Recife que se dirigiram os militares revoltados em 1817, nessa rebelião maçónica e republicana conhecida como Revolução pernambucana e que, uma vez derrotada, se tornou importante para nós porque muitos dos seus protagonistas foram para Angola como degredados. 

Mas o Arco da Conceição servia, realmente, como porta de entrada para a cidade até ser destruído em 1913, para facilitar o trânsito intenso. No Arco da Conceição, o espaço era muito disputado e, mesmo assim, encontrava-se lá outra loja que vendia livros, no ano de 1842, a de Santos & C.ia (em outro anúncio situa-se na Rua da Conceição da ponte). Esta empresa deve ter passado a tipografia (se não fora antes), pois ali se imprimiu um livro de poemas, mais adiante comentado, esse em 1844 e outro poucos anos depois. Aliás, a 10.8.1842, na p. 4 de O diário novo, ela é referida como tipografia mas também vendendo livros. Aí o endereço é mais completo: "Livraria do Arco de N. Senhora da Conceição da Ponte do Recife em Pernambuco, onde se acham à venda muitos outros livros."

Num quadrante diferente ficava a loja da “esquina da Rua do Comércio”, activa em 1845. Não consigo localizar esta rua. Penso que fosse uma designação popular para uma rua de intenso comércio, provavelmente já citada. Mas pode tratar-se de uma antiga rua do Comércio, que foi absorvida, junto com várias outras, pela av. Alfredo Lisboa (Sampaio, 2006) e fazia parte, já, do Recife holandês com as suas vizinhas.

A loja do “Sr. Ferreira” ficava na “Pracinha do Livramento” e, a menos que houvesse outra, seria a mesma que anunciava “sapatos de cores para crianças” a par da “Tragédia de Nova Castro”. Como referi acima, em 1844 havia uma "loja de fazendas", da "viúva do Burgard", que também vendia livros. A “pracinha do Livramento” devia ser o Pátio do Livramento, melhor escrito: o pátio que ficava defronte à Igreja de Nossa Senhora do Livramento dos Homens Pardos, no centralíssimo bairro de S.to António. Ainda hoje dá para ver que era uma pracinha (retangular) de comércio intenso. 

A loja do "Snr. Pinto", em 16.10.1832, segundo o Diário de Pernambuco (p. 1975), situava-se "em Santo António [...] rua Nova." Mais tarde (caso fosse o mesmo Pinto), ficava em S.to António também, mas no “pátio do Colégio” (atual Praça D. Pedro II), contíguo à Rua do Colégio, onde funcionava mais uma venda e onde, alguns anos depois (em 1845), estava muito ativa uma livraria (se calhar a mesma que em outros anúncios se situava no n.º 20, ou no n.º 2; veja-se, por exemplo, O diário novo, 26.3.1844, p. 4). Tinha localização mais concreta em alguns dos anúncios, escrevendo-se que era na “esquina do Colégio”, portanto junto ao Colégio – embora nunca se diga qual. No número de 23.7.1847 do Diário de Pernambuco (p. 4) vem mencionada apenas a "livraria da esquina do Colégio." O diário novo fala numa livraria do "Pátio do Colégio" em vários números; a 14.4.1847, por exemplo, anunciava a chegada ao Recife (e a essa livraria) dos "Primeiros cantos do dr. Antonio Gonçalves Dias" (p. 4); em 10.6.1847, há dois anúncios dessa livraria no "Patio do Colégio n.º 2" e a 29.7.1848 se anunciavam mais livros da mesma casa, bem como "Obras de Direito" a 31.7.1848, do Diário novo (n. 164, p. 4). Segundo os estudiosos do Recife antigo, tratava-se do Colégio dos Jesuítas (1686) e ali funcionou ainda o governo da Capitania, após a expulsão da Companhia (1757), mais tarde o Tribunal da Relação de Pernambuco. Por esse motivo se chamou também “pátio do Palácio”, se é que esse nome não refere o Pátio do Palácio de Maurício de Nassau. Julgo ser nesse mesmo Pátio que ficava outra “loja de livros”, situada “defronte do Palácio”, que estava ativa no ano de 1840. Em 30.12.1852, O liberal pernambucano colocava ainda um anúncio de venda de livros na "Livraria Moré", no n.º 9 desta rua. Como sabem os estudiosos da bibliografia portuguesa do século XIX, na segunda metade desse século funcionava no Porto uma livraria com tal nome, ou com o de "Viúva Moré", que também foi editora e publicou, por exemplo, obras de António Feliciano de Castilho, muito conceituado no Recife de então. 

Não longe dali, no Pátio de S. Pedro (outro largo comercialmente muito ativo), num primeiro andar, funcionava uma venda de livros novos e usados, que no entanto não parece ter durado muito, provavelmente por causa da concorrência, no rés-do-chão e no primeiro andar, de uma livraria na mesma Praça ou Pátio (que fica frente à Igreja ou Catedral de São Pedro dos Clérigos, construída durante a primeira metade do século XVIII, mais precisamente a partir de 1728 (Lins, et al., 2007 p. 47)).

Para além das livrarias e das restantes lojas que vendiam livros, há um terceiro tipo a considerar: o das casas que anunciavam apenas periódicos, os mais procurados pelos bons clientes. Por exemplo o Correio braziliense e o Armazém literário (em 13 volumes) eram vendidos na “Loja D3” da Rua de Cabugá. Uma antiga rua de Cabugá (também chamada da “polé velha”) foi integrada, com várias outras, na atual av. Dantas Barreto, no central bairro de S.to António (Sampaio, 2006). Não sei se era a mesma. Ora o Correio brasiliense, pelo menos esse, também foi manuseado por filhos da terra em Angola…

Nesta rua comercial havia ainda a “loja francesa”, que anunciava novelas, e outra “de miudezas” que, no meio de mais títulos, vendia obras de Horácio, Virgílio, Cícero, Salústio e Voltaire. Em 1845, uma segunda “loja de miudezas” vendia igualmente vários livros, por anúncios repetidos, marcando a continuidade de uma estrutura comercial que atravessa todo aquele tempo.

A “loja de fazendas” da Rua Direita vendia às suas clientes dicionários, “entremezes” e “novelas” em segunda mão, isto no ano de 1842. Houve diversas ruas com este nome, pelo que fica difícil de localizar especificamente. Todas elas faziam parte do Recife antigo.

Na Travessa do Rosário, a “botica de João Pereira da Silveira”, em 1842 também, vendia o Paraíso perdido (de Milton, com certeza) e alguns versos de J. Delille (de quem Bocage vertera os Jardins para português e que Maia Ferreira cita). A mesma "Botica" se situava, segundo anúncio (também de 1842) do Diário novo, na "rua do Rosário Estreita", ou "rua estreita do Rosário". Em 1837 ali se localizou uma “nova loja”, na esquina “da Travessa do Rosário para o Queimado”, no n.º 7. Não posso assegurar que fosse a mesma que em 1840 se localizava exclusivamente na Travessa do Rosário, autoclassificando-se como “loja de livros”. Não consegui identificar a Travessa, mas talvez seja a rua estreita do Rosário, na sua quase totalidade engolida pela atual av. Dantas Barreto, que já referi acima. 

Ainda havia outro comércio na Rua do Queimado”, no primeiro semestre de 1837, que não se percebe se era só de livros ou de mais alguma coisa. Pertencia a António José Rodrigues de Sousa e localizava-se no D7. 

O Diário novo, em 2.3.1844 (p. 4), anunciava muitos livros e periódicos à venda na mesma rua, mas no n.º 9. Os títulos incluíam, para além do habitual na época, "O Manual Maçónico, ou cobridor de todos os ritos" e as recentes "poesias do poeta pernambucano o bacharel João de Barros F. de A. M." Esta rua do Queimado é hoje a rua Duque de Caxias e localiza-se no bairro de S.to António, entre a rua do Imperador D. Pedro II e a Av. Dantas Barreto. Curiosamente, ainda no final dos anos 90 ali subsistia uma “Livraria e Papelaria Moderna”.

A rua das Águas Verdes, no mesmo bairro de S.to António, tinha uma loja que anunciava (no Diário de Pernambuco) também clássicos e manuais pedidos pelo Curso Jurídico. No Diário novo de 13.4.1844 (p. 4) anuncia-se a venda de vários clássicos ("Arte Poética", suponho que a de Horácio, as Fábulas de Fedro) a par do Magnum lexicon e do manual de "aritmética" de Lacroix. Em anúncio do mesmo jornal, de 16.4.1844 (p. 4), indica-se o número da porta: 42.

Na rua do Crespo (hoje rua 1.º de Março, no mesmo bairro de S.to António) a “loja D2” vendia o “Dic.º de Moraes”, na quarta e última edição, em 1837.

Nesse mesmo ano havia outra loja a vender livros, no primeiro andar da rua do Marroquim. Há três ruas com este apelido no Recife: uma na Imbiribeira, outra na Várzea e outra nos Dois Irmãos – a rua parece, portanto, estar um bocadinho mais afastada das localizações anteriores.

Poucos anos depois, a “loja de couros” do “Sr. Basto” vendia, a 40 réis (sem encadernação), “um Tito Lívio latino e um Novo Testamento”, procurando mais tarde um “Perigrino da América” – isto em 1840. Seria a mesma que anunciava Kempis, Júlio César e M. T. Cícero na rua Direita, "D20 lado do nascente". 

Outros locais de venda indiferenciada eram, ainda nesse ano, o “escritório de Francisco Severiano Rabelo” (que anunciava o mesmo tipo de mercadoria em 1845) e “a venda do Sr. José Rodrigues” (que não sei se era António José Rodrigues de Sousa), bem como a “loja de cera”, no número três não se sabe de que rua, que vendia novelas, aventuras, uma “história cronológica” e mais livros no primeiro semestre de 1845. Fazia-lhes concorrência, entre outras e no mesmo período, uma “loja de chapeleiro”, que vendia uma lista longuíssima de livros, importante por acrescentar os preços de cada obra.


Vale talvez a pena destacar aqui o nome do comerciante português Francisco Severiano Rabelo. Pelos vistos ele estava ativo no Recife desde, no mínimo, 1838 e já nesse tempo vendia periódicos lusitanos. Assegura Bruno A. D. Câmara que (p. 132):
Jornais e periódicos portugueses também circulavam com freqüência na cidade. O comerciante português Francisco Severiano Rabello, estabelecido com escritório no Forte do Mattos, entre 1838 e 1839, organizava as assinaturas do Jornal Panorama, folha publicada em Portugal. 
Ainda no ano de 1840, a loja de livros de João Nepomuceno de Melo esteve à venda durante vários números, pelo que o negócio, quando especializado, talvez não tivesse muita procura (ou o preço era demasiado alto).

Em Olinda, como se sabe pegada com o Recife e onde eram de mais antiga tradição os “estudos”, ficava a Rua de Mathias Ferreira, onde o Convento do Carmo possuía uma casa e onde, na porta 40, havia para venda livros diversos e se distribuía o Diário de Olinda no primeiro semestre de 1837 (infelizmente não encontrei este periódico). Na Ladeira do Varadouro (oficialmente é hoje a rua 15 de Novembro) da mesma cidade, no seu n.º 11, ofereciam-se por bom preço manuais e clássicos, para seminários, colégios e o Curso Jurídico. Curiosamente seria nesta rua que, pouco tempo depois do período em estudo (1852), se iria instalar a Faculdade de Direito, no antigo palácio dos governadores, entretanto reformado. 

Em Olinda ainda, em 1842, funcionava uma loja que anunciava obras úteis para alunos do “curso jurídico” e do Seminário. Ficava ela na rua de São Bento e era a que mais recorria aos anúncios. Esta loja tinha, como a do Varadouro, uma excelente localização para os alunos de Direito: na confluência das duas ruas se encontrava o Mosteiro de São Bento, que cedeu parte das suas instalações para funcionar ali o primeiro Curso Jurídico de Olinda, mandado instalar por D. Pedro I.

No ano de 1837 anunciava livros ainda uma loja da Rua do Amparo, porta 65. Sem referência certa a Recife ou Olinda estava o “armazém do Machado”, que anunciava novelas no primeiro semestre de 1837. A 8.7.1836, no Diário de Pernambuco, a "loja de livros do sr. Figueiroa" anunciava uns elementos de gramática, mas não se dá mais nenhuma referência, pelo que a livraria devia ser bem conhecida por todos. 

Outro aspecto importante para o objectivo deste estudo é a proveniência dos livros. Das poucas vezes em que era indicada, a origem imediata dos livros remetia-nos em geral para os portos do Rio de Janeiro, Lisboa ou Porto, mais raramente França, o que não admira na época. Estou a falar dos lugares de origem dos navios que traziam os livros. As obras eram, no entanto, de autores dos mais variados países europeus, dos EUA e do próprio Brasil, enquanto os locais de edição incluíam cidades anglófonas, francófonas e lusófonas principalmente (incluindo Recife, Salvador e Rio de Janeiro). Estes dados de conjunto sinalizam, na altura, um mercado euro-americano. Era o mercado euro-americano que, em grande parte, alimentava a bibliografia existente em Angola e condicionava a globalização literária.






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