Língua e Retórica


Passando a obras que, para além de aparelharem para a oratória jurídica ou política, para o debate filosófico ou científico, foram cúmplices próximas do campo literário, ou que para o seu estudo filológico são necessárias, é de salientar a oferta e a procura de muitos dicionários. O léxico ainda antes das figuras e dos macrotextos.

É bastante provável que a maioria dos dicionários não fosse comprada para ler obras literárias, mas sim por motivos comerciais e jurídicos, ou, quando muito, para os alunos avançados no sistema educativo. No entanto, de acordo com a cultura mais globalizada e prestigiada na lusografia da época, os mais comuns eram os dicionários de Port.-Francês e vice-versa, não os de Port.-Inglês, úteis para comerciantes cujas redes de interesses atingiam os EUA e a Inglaterra. 

Mas também os de Latim, como se deve calcular, se vendiam e revendiam continuamente no Recife, por exemplo – aparecendo nos anúncios desde 07.10.1831, com destaque especial para o Magnum lexicon, que não consegui que me trouxessem à mesa no Arquivo Histórico Nacional de Luanda: vinham repetidamente pedaços de um dicionário de Port.-Inglês e vice-versa, sem números de página, a três colunas (uma para o latim, outra para o inglês, outra para o português) e que, na primeira parte (inglês-port.) começava no “sed-see-sei” (cada coluna, respetivamente). Aprendi alguma coisa, mas não vi o que tencionava. Muitos anos depois consultei, em linha, a edição de 1802.

Apareciam, de quando em quando, dicionários menos comuns, como os “de Alemão”, quer no mercado recifense, quer no luandense.

Quanto às nossas línguas, encontrava-se na biblioteca de Manuel Patrício Correia de Castro uma Gramática da língua ambunda e respectivo Dicionário (Pacheco, 2000 p. 29). No Arquivo Histórico Nacional havia menção ao “Ensaio de Dicionário Kimbundo-Português”, de Cordeiro da Mata, que não pude consultar, e a um “Dicionário Poético” do Cardeal Saraiva, incluído no T. I das suas Obras, de que se encontram todos os volumes na Biblioteca da Administração Municipal de Benguela (mas não dá, por eles, para saber quando chegaram a Ombaka). 

Do mesmo Cardeal há, na mesma coleção, outra publicação que integra palavras africanas: o Glossário de vocábulos portugueses derivados das línguas orientais e africanas, exceto a árabe (Saraiva, 1837) – de que se conservou um exemplar na Biblioteca Pública de Pernambuco também. Ali surgem as palavras quezília (“antipatia, que os negros têm com alguma coisa” - vem de kijila), moleque, moxinga (surra), marufo (“nome que em liguagem chula se dá ao vinho”), banza (inst. musical) e banzar (verbo), azagaia (diz só ser de origem africana, sem especificar línguas).

Regressando a Benguela, havia lá também um dicionário de Vieira (o Dr. Fr. Domingos Vieira, “dos Eremitas Calçados de S.to Agostinho”), melhor, o seu “Tesouro da língua portuguesa”, conforme titulado no exemplar existente na Biblioteca Municipal de Benguela, numa edição de 1871, feita no Porto, pela Chardron e Moraes e dedicada a D. Pedro II (pela dedicatória se percebe que terá sido lançado no ano seguinte). O vol. III (letras E-L) desse “Tesouro”, ou “Grande dicionário”, encontra-se também na Biblioteca do Governo Provincial de Luanda. 

O Grande dicionário português ou tesouro da língua portuguesa, “feito sobre o manuscrito original […] inteiramente revisto e consideravelmente augmentado”, cita muitos poetas, com predominância para neoclássicos: José Agostinho de Macedo, Cruz e Silva, o Hyssope (que também se lia em Angola (Pacheco, 2000 p. 39)), Francisco Manuel do Nascimento (Filinto Elíseo, que igualmente se lia em Angola (Pacheco, 2000 p. 39)), Fr. João de Santa Rita Durão (Caramurú), João Xavier de Matos; Quevedo, D. Francisco de Portugal, Luís de Camões, Francisco Rodrigues Lobo. Mistura-lhe depois (os “augmentos”) o Camões e a D.ª Branca de Garrett (vol. III). Inclui também uma “Chrestomathia Histórica da Língua Portuguesa”, uma coletânea de textos que se inicia com um documento, em latim bárbaro, do ano 773. Da Idade Média peninsular transcreve Cantigas de S.ta Maria, de “D. Afonso, o Sábio”; outras de um Cancioneiro de D. Diniz publicado por Caetano Lopes de Moura (AAVV, 1847). De Varnhagen (F. A.) transcreve algumas das Trovas e cantares, junto com passagens do “Livro de Linhagens do Collegio dos Nobres (séc. XIV)”, do “Livro de Linhagens do Conde D. Pedro”, de uma versão do início do Genesis, dos “Inéditos dos séculos XIV e XV” publicados por Fr. F. de S. Boaventura (t. I e II), da Crónica do Condestabre (sec. XV), do Leal conselheiro (D. Duarte – “Exempro do Spelho, Manta e Pandeiro”), da Crónica de D. Pedro de Gomes Eanes de Azurara, dos Opúsculos de Fr. João Claro do Mosteiro de Alcobaça, da Regra de São Bento – a par de traduções dos Atos dos Apóstolos.

Se a consideração das obras citadas é importante, mais significativo para a sua receção simpática em Angola é que o Grande dicionário registe palavras americanas e, sobretudo, africanas. Traduz por exemplo “Caramurú, s.m. (palavra da língua tupi, que significa homem de fogo)”; “Cacimba, s.f. (Do ambundo quichibo, orvalho). Orvalhada e sereno muito forte”, mas também “Cacimba, s.f. (Do ambundo quichima, poço). Cova em logar húmido para n’ella se ajuntar a agua que resuma.” Cita, porém, uma obra do Brasil: “«Saião por agoa às cacimbas do Recife» Brito, Guerra brazilica, p. 186”, a par de António Ferreira (de que só indica “tomo VIII, p.547”): “os nossos com o lodo dos charcos e com as cacimbas das praias”. Diz que o termo “capim” vem do Brasil (t. IV, p. 93). Fala da “Quígila, s.f. Antipathia que os pretos de Africa tem a certas comidas e ações, a ponto de adoecerem e até morrerem, se os contrariarem nisso” e faz derivar “quezília” daí (t. V, pp. 54). Fala também no arbusto “quitumbata”, que “se cria em Angola, Benguela, e algumas partes da América; a sua raiz tem várias virtudes medicinais, e é útil para câmaras de sangue” (id., p. 59). Refere ainda “Lucasse, termo africano – juramento de Lucasse; espécie de prova judicial, que se faz dando a beber certa peçonha ao acusado, crendo-se que o não ofende se ele está inocente; por isso quando culpado, não a bebe, manifestando assim a sua culpa” (t. III, p. 345).

Acredito que Mestre Tamoda e João Vêncio tenham lido o Grande dicionário de Vieira, até porque tenho ideia de Luandino ter falado nele, creio que em uma entrevista. Era, de resto, uma obra espalhada, não só por Angola mas também pelo Brasil, onde encontro sempre referências a ela, até na Paraíba, onde se recolheu um exemplar da ed. de 1870 (NDIHR-UEPB, 1997).

Neste panorama, outra contribuição linguística original e profícua permanece ainda nas estantes da Biblioteca Municipal de Benguela – e não só (também nas de Luanda). Mais uma vez integrada em vários dos volumes das Obras Completas do Cardeal Saraiva (Saraiva, 1872-1883). Refiro-me à “Memória em que se pretende provar que a língua portuguesa não é filha da latina” – como recorda Teófilo Braga (Braga, 1880 p. 94)

A tese parece bizarra, mas emparceira com outras (Sousa, 1830) e, tal como tratada por Francisco de São Luiz (o famoso Cardeal Saraiva), não é. O que ele faz é demonstrar que muitas (a maioria talvez) das palavras do português apresentam maiores similaridades (quando não etimologias seguras) com outras línguas que não o latim. Mostra-o, não só nessa Memória, mas em vários trabalhos seus em que explora as proximidades com o hebraico, o árabe, o grego antigo, o germânico, o celta – sobretudo estes. A língua portuguesa tal como então se apresentava seria resultante dos cruzamentos entre estas várias línguas, dos cruzamentos de fragmentos das suas estruturas e do seu léxico, guardados na memória coletiva e na corrente contínua do quotidiano. Diria hoje que, vistas assim, as línguas se geram a si próprias a partir de vários influxos (adstratos, substratos, superestratos, contratos e constritos...).

Os “trabalhos filológicos” estão concentrados no volume IX das Obras completas, que saiu em Lisboa em 1880. Logo o primeiro ensaio é um “Glossário de vocábulos da língua vulgar portuguesa que trazem origem do grego”. A sugestão que fica, formulada em termos atuais, é a de que uma nova língua se foi formando num determinável ambiente multilinguístico, tal como uma nova cultura se forma num determinado ambiente multicultural. Os pidgins, que se tornarão crioulos, que se tornarão línguas novas, são muito flutuantes porque estabelecem acordos mínimos de tradução, comunicação, compreensão, que derivam muito dos interlocutores a cada instante. Não será, por isso, correto concebermos o português a vir do latim, pois ele se formou nesses intertextos e interstícios multilinguísticos em que, estrutura nascente, ia corroendo o latim para convertê-lo à nova estrutura intercomunicativa. Uma tese pronta para os dias de hoje...


Apareciam, claro, dicionários de outras línguas e de outros âmbitos, como atrás escrevi. Na lista de livros enviados para Angola em 1852, havia um dicionário “em Hespanhol”, sem menção de autor, publicado em 1753 e um “de Francês”, de Richard. 

Em 1855 vem mencionado, num espólio de Benguela, um dicionário “da Fábula”, portanto mais estritamente literário. Mas a referência quase não teve companhia.

Entre dicionários de línguas, anunciava-se também um de “Fr.-Port.” de Fonseca e Roquette em dois volumes e outro de “Francês-Português” de Roquette. Em 1856 foi inventariado um “Dicionário Metódico” sem mais nenhuma indicação e um dicionário “dos Synonimos” de Fonseca e Roquette (Roquette, et al., 1848)Nesses dois espólios aparecem dois dicionários de “Fonseca”, um de 1837, outro de 1839, não se especificando mais nada. 

Num inventário de 1857 refere-se um dicionário “de Geografia”. Em 1873 foi comprado, por leilão e pelo preço de 5000 réis, um “Dicionário Enciclopédico” em dois volumes, de José de Lacerda (OSA), que julgo ser o “Dicionário enciclopédico ou novo dicionário da língua portuguesa, seguido de Dicionário de Sinónimos com muitas reflexões críticas” (Lacerda, 1858-1859) de José Maria de Almeida e Araújo Correia de Lacerda (1802-1877), reeditado nesse mesmo ano também. 

Num outro espólio, de 1880, aparece mencionado apenas um dicionário de “Faria”. Num espólio de 1883 fala-se de “dicionários” de Fonseca e Roquette em dois volumes. Em 1893 era inventariado, em um espólio em Benguela, um “Dicionário Alemão para aprender português”, sem qualquer referência mais.

O investigador Anchieta guardava consigo, em Caconda, um “Dicionário Alemão-Francês”, mas o inventário orfanológico não indica também nome de autor, local e data de edição, nem editora. O seu espólio continha ainda cinco volumes de um dicionário “da Língua Francesa”, sem qualquer outra indicação, e um dicionário “de Francês” e um terceiro de “Constâncio” (talvez Francisco Solano Constâncio). O francês lhe servia para traduzir do e para o grego, pois possuía um dicionário “Grego-Francês e Francês-Grego”; a mesma língua o auxiliava para traduzir do Latim, pois o inventário regista um dicionário “Latim-Francês”. Tinha também um dicionário “Espanhol-Português” e outro de “Inglês-Português”. 

Para além disso possuía, como era de esperar, dicionários de Botânica (um sem mais referências, outros dois de Saint-Pierre e Richard Harper), “de termos botânicos”, Agricultura, Medicina (dois), de “História natural” (quatorze volumes, em Francês), “das Ciências”. Finalmente o “Dicionário Enciclopédico Wörterbuch” e o pequeno Dicionário universal de Littré (em francês).

Para os poetas que escreviam em português, fica especialmente recenseado o canónico dicionário de Moraes, logo desde 1831. Torna-se fundamental reler a poesia destes autores pela consulta aos referidos dicionários, incluindo-se ainda o dicionário de “synonimos por Fonseca”, importante pela fina distinção que faz entre palavras aparentemente sinónimas e que dá sentido filológico preciso às palavras.

O estudo da língua escrita por Maia Ferreira, da sua lusografia, passa por obras de outra índole ainda. Entre elas destacam-se a Gramatica filosophica de J. Soares Barbosa, as “notas para uma gramática filosófica” de Manuel Pedro Tomás e a Grammatica portugueza de Soares Ferreira. 

Circularam, como é de prever, outras – por exemplo a “gramática portuguesa de Neri” (Agostinho Neri da Silva? Filipe Neri de Castro?), que aparece num espólio benguelense de 1856. Também a de Dantas: 
Explicacao da Syntaxe : dividida em duas partes : na primeira se trata do que pertence a syntaxe de concordancia, e regencia : na Segunda se da noticia da syntaxe geral, e uso particular de varios substantivos, adjectivos, e verbos, e outras mais partes da oracao / Composta pelo Padre Antonio Rodrigues Dantas, Professor Regio da Grammatica Latina na cidade de Lisboa. Pernambuco : Tipografia de Santos & Companhia, 1844.
Para melhor compreensão dos clássicos circulavam gramáticas latinas. Um anúncio do Diário de Pernambuco, por exemplo, de 9.3.1842 (p. 4), vendia as de António Pereira e de José Vicente Gomes de Moura (2.ª ed.).


Para autores mais próximos do fim do século há notícia de uma nova ciência, La linguistique, explicada por exemplo por “Haullac” e cuja menção surge no inventário do naturalista José de Anchieta. O nome deve ter ficado mal escrito e não consegui, por isso, identificar autor e obra. Talvez se trate de Abel-Alexandre Hovelacque (1843-1896), linguista, naturalista e antropólogo francês, que escreveu La Linguistique em 1876, com segunda edição em 1877 e a quarta (revista e aumentada) em 1887. Já é, porém, significativo o registo da disciplina em pleno 'sertão de Caconda'.

Retórica
A colocação disciplinar da Retórica é sempre polémica, pois é a ciência do discurso e o discurso relaciona-se com tudo. Na época estudada, fora de Angola, talvez tenham sido os historiadores e oradores os que mais a seguiram; entre nós foram os polemistas e pregadores. Não sendo poética, nem historiografia, nem teoria da polémica, e não tratando neste livro da Oratória (o que não significa mais nada para além da falta de tempo), reduzi a presença da retórica nesta obra e inseri-a neste ponto. O resultado será certamente polémico também, mas acredito que venham completá-lo pessoas mais capazes.

A razão que me guiou, para juntar a Oratória com a “Língua”, foi a seguinte: a gramática ensina-nos o funcionamento da língua a vários níveis e prepara-nos para um desempenho correto no quotidiano; os dicionários apontam para o funcionamento dos níveis lexical e semântico da língua, embora não se dediquem à descrição do sistema, apenas sugerem a partir dos significados e das relações estabelecidas entre os significados através de interpretantes; por sua vez a retórica ensina-nos a usar a língua e a linguagem de forma elaborada, especificamente desenvolvida para discursos implicando artifício, arte e artesanato na sua composição. Por esta visão da retórica decidi colocá-la aqui, dentro do item sobre a língua, a par dos dicionários e das gramáticas.

Com o avanço do Romantismo, a retórica foi caindo em descrédito e não é preciso citar nenhuma autoridade para corroborar esta afirmação. Não quero dizer que ela deixou de ser usada, mesmo estudada, mas deixou de figurar no catálogo das virtudes estéticas e, portanto, o seu uso ou estudo, os poetas (muitos formados em Direito) disfarçavam-no, ou pelo menos não assumiam. 

Nesse contexto, de uma estrita e subterrânea existência, por um lado a Retórica veio a resumir-se a uma lista insensível de figuras, como notaram Todorov e antes dele vários outros; por outro lado foi-se transformando por uma prática poética e oratória que não passava ao nível da teorização. Desenvolveu-se, por exemplo, uma retórica sentimental com o Romantismo que, aparentemente, ficou fora do controlo crítico. Assim sendo, funcionava por autocontrolo o domínio retórico e, nesse autocontrolo, apenas a retórica clássica e neoclássica estava sistematizada, quero dizer, disponível a título de manual para consulta. Basta ver, em Portugal por exemplo, a constante re-edição dos manuais neoclássicos e o aproveitamento ‘estudioso’ da retórica latina e grega por especialistas como Viale. Vem daí, julgo, do começo do século XIX, do nosso lusógrafo romantismo tão classicizante, a importância deste item para o levantamento que faço.

Não posso nem vou dedicar-me a todos os manuais de Retórica circulando na época. Eram muitos e, dos mais importantes, a maioria foi trabalhada pelos especialistas. Remeto o leitor para aí: de nada serve um livro que se limita a repetir ou resumir o consabido. Por isso me dedico a obras que, podendo ser influentes ou sintomáticas, não foram consideradas pelos estudiosos em geral.

No âmbito lusófono circularam vários manuais e um deles se encontra ainda hoje no Arquivo Histórico, tendo sido propriedade do “Seminário” de Luanda, segundo julgo e passo a explicar porquê. O manual chama-se Instituições elementares de retórica. Foi escrito por A. Cardoso Borges de Figueiredo “para uso das escholas”. Em 1873 ia já na 8.ª ed., corrigida e aumentada[1], com novo prefácio, subscrito pelo autor em “Coimbra, 2 de outubro de 1873” (Figueiredo, 1873). Pertence a tal edição o exemplar que li no Arquivo Histórico. Alguém lá escreveu, numa tinta arroxeada (com o tempo? Não penso): “do seminário”. Em baixo, numa tinta acastanhada (com o tempo?), outra pessoa (a letra é diferente) precisou: “de Angola”. Isto nas folhas iniciais, onde encontramos também os habituais carimbos do Museu de Angola e do CNDH. Certamente para evitar o ‘desvio’ do livro, alguém re-escreveu, também com tinta arroxeada, a palavra “Seminário” nas pp. 19 (a meio da página) e 45, como se faz com os carimbos. Na p. 25 ecreveram, com tinta acastanhada, “18-12-95”.

O facto de ter sido manual do Seminário demonstra que este género de livros circulava com prestígio no meio religioso e na cultura ligada a ele. Ora a Igreja tinha na altura, ainda, um peso enorme sobre a produção literária. O pai de Mário António, por exemplo, foi aluno do Seminário e escrevia poemas classicizantes. No caso de Angola, muito do ensino e da aprendizagem da cultura escrita, globalizada, vinha por meio das instituições eclesiásticas e respetivos protagonistas. Mas não só: uma vez que, nos exames para professores e nas matérias dos alunos, constava sempre a Retórica (isto no século XIX), não havendo, como disse, manuais românticos de retórica, era este género de livro que podia servir de base para o estudo mesmo nas escolas oficiais, no ensino laico, onde muitas vezes pontuavam sacerdotes.

Borges de Figueiredo, o autor do manual, era, de resto, professor jubilado em “Oratória, Poética e Litteratura Clássica” no Liceu de Coimbra. O “classicismo” da sua carreira reflete-se na história da obra: teve uma primeira edição latina (1848), saindo a primeira portuguesa três anos mais tarde. Fez-se, portanto, para ser ensinada juntamente com a língua e a literatura clássicas, reforçando a colocação em que ponho aqui a Retórica. Depois, pela necessidade que se fazia sentir de manuais de retórica, passou para o português.

A intenção original reflete-se na obra. O professor inspirou-se, assumidamente, nas lições “dos antigos, Cícero e Quintiliano”. Quanto aos modernos, cita “Blair, Le Clerc, Geruzez; dos nossos Soares Barbosa e Freire de Carvalho” – já referido nesta obra por se vender no Recife na primeira metade dos anos 1840. Chama portanto “modernos” aos neoclássicos. Deles e “dos antigos”, os únicos “grandes mestres”, recolhe “as melhores doutrinas” (Figueiredo, 1873 p. 2) [2].

O intuito pedagógico e a formação clássica levaram-no a ser claro e breve: a retórica é “a disciplina que rege o génio no uso da eloquência”, que por sua vez é “a força de dizer dominadora de ânimo alheio” por “convicção, deleite e persuasão” (Figueiredo, 1873 p. 1). Creio que a palavra “génio” ali, apesar da sua história clássica, lia-se já próximo da aceção romântica e, tirando isso, nada mais havia de contemporâneo – exceto a necessidade de um manual de Retórica.

Das cinco partes da Retórica (invenção, disposição, elocução, memória, declamação) começa canónica e logicamente pela invenção, que deve escolher um de quatro critérios: o “justo” (mais de justeza do que de justiça, creio), o “honesto”, o “útil” e o “agradável, e que como tal se torne interessante” (Figueiredo, 1873 p. 10).

A matéria organiza-se por “dois tipos de questão”: tese e hipótese. A tese, como o tema em literatura, “não se liga às circunstâncias do objeto”. Aí pergunta-se, por exemplo, “se a paz é desejável” (Figueiredo, 1873 p. 10). A hipótese é que vai relacionar a tese com as circunstâncias (“pessoa, lugar, tempo, etc.” – esta última sem dúvida a circunstância mais interessante). Portanto passa a pergunta para “se devemos com este inimigo e nesta conjuntura tratar da paz”.

Em seguida faz uma distinção especiosa entre “estado da questão” (se o réu fez bem ou mal) e “estado do assunto” (se realmente o réu praticou a ação (Figueiredo, 1873 p. 11)). A definição e a qualidade da ação, num tribunal, são fundamentais, pois ligam-na aos valores sociais e, por aí, diminuem ou sublinham a culpa e o castigo. O mesmo tipo de processos, porém, era usada pelos narradores para jogar com as avaliações do público e mover as suas opiniões...

As provas conseguem-se por “testemunho” (obtido por sinais: um gemido sinaliza dor; ou por citação de autoridades como a Bíblia); “confrontação” (por semelhança, parábola, paridade de direito com casos canónicos) e “argumentos”. Conselho sábio nesse momento é o do realismo: que se deve dar prova de uma ação desenvolvendo “em lugar comum a sua natureza”. Conselho, sem dúvida, muito literário para além de sábio, quero dizer, aplicável à arte literária. 

Mas, para os panegíricos – uma espécie mais dentro da literatura… – servem de prova “a pátria do indivíduo”, “o seu nascimento” (que pode, portanto, não coincidir com a pátria), as “prendas do espírito e do corpo, os feitos, os ditos, etc.” (mais uma vez esta imensa categoria). Talvez pela vivacidade, o “exemplo” é considerado a “prova mais forte” (Figueiredo, 1873 pp. 12, 15, 16). Claro que também na criação poética e literária se revela tal força.

Em seguida o manual vai desfilando tipos e figuras para cada item, incluindo os recursos argumentativos que a nossa polémica bem conhecia: sinacoluto, entimema, silogismo, epichirema, dilema – que tem a vantagem de, “por duas partes”, prender “o adversário” (portanto é um falso dilema, retórico (Figueiredo, 1873 pp. 21-23)).

Quanto aos afetos, não se lhes aplica a semântica vaga dos nossos dias. Aí se fala sobre “comoções do ânimo, despertadas pela representação do bem ou do mal” (Figueiredo, 1873 p. 24). Optando-se por um estilo patético, chamam-se as emoções violentas; optando-se por um estilo ético, chamam-se emoções brandas, ligadas à amizade, à benevolência, à humanidade. Isso mesmo fazem os poetas líricos em seus versos e os narradores em seus episódios.

Esta classificação tem consequências genológicas: as emoções patéticas prestam-se ao púlpito, à oratória política. A presença da oratória política reflete já um ambiente pós-revolução, no caso português um ambiente liberal. Digo isto porque, na preocupação de especificar, o autor pormenoriza: “discursos parlamentares ou da tribuna, que versam sobre os grandes interesses dos estados”. As imagens que os seus leitores (e ele próprio) terão em mente não são, creio eu, as das antigas cortes, que o miguelismo eufemisticamente recuperava, e as imagens da tribuna são já também dos comícios, das reuniões políticas exaltadas em que o orador se torna patético para forçar o efeito de veemência.

Mesmo na justiça, quando se tratar de casos extremos (condenação de um homem à morte por exemplo) será necessário apelar a sentimentos e emoções patéticos, que envolvem pessoas, ações e circunstâncias. Só quando se trata de “pequenos pleitos” e assuntos de “pouca monta” se conclamam ou provocam brandos afetos, que dizem mais respeito ao caráter (do orador e dos ouvintes ou leitores) do que às ações (Figueiredo, 1873 pp. 25-29). Isto prende-se com a observação da psicologia humana, a base mais segura da retórica. E explica, por seu turno, como o discurso em geral inflama um tempo inflamado e abranda num momento de bonança. Porque não está previsto aqui o discurso da mudança, mas sim o que interpreta o instante criando analogias com ele.

Continuando a guiar-se pela fina observação da psicologia humana, aconselha o retórico, para o estilo patético (tão cultivado na nossa polémica), aliás patético “direto” (que é o principal) “apaixonar-se verdadeiramente o orador”. É um velho conselho, no qual pega Hegel, como vou repetindo de vez em quando, pois na Estética ele acha que só dessa forma o poeta pode ser convincente. Claro que a pessoa não se transforma passando a viver o que não viveu, nem mesmo passa a crer no que descrê. Para além de uma biografia rica, variada, de uma afinada capacidade de observação, truques há que tornam leitores, ouvintes e oradores “apaixonados”. O principal é o da analogia: “fingindo presentes os bens ou males ausentes” e “supondo […] que eles a vós mesmos aconteceram”. Do efeito causado pela analogia no orador tira ele o modelo das impressões a causar (Figueiredo, 1873 p. 37). É um truque (o da analogia pessoal – uma espécie diferente de personalização) já conhecido pelos jesuítas, quando estes aconselhavam os crentes a imaginarem no seu dia-a-dia as figuras bíblicas – o que nem sempre dava bons resultados e creio que justamente por excesso de paixão...

O segundo truque é o da pintura viva e movimentada do afeto, que a retórica neoclássica sempre sublinha e o Romantismo exige. Mas não devemos usar esses truques sem cautelas: é preciso primeiro que o auditório perceba a importância e grandeza do assunto; em segundo lugar que o patético sirva só para o seu fim, não se prolongando, passando-se logo adiante, para imediatamente aproveitar o seu efeito e não gerar exaltações desviantes; é necessário que o ouvinte não raciocine durante a exaltação, porque “o afeto [patético] perturba o juízo”. O raciocínio desenvolve-se depois da purga pelo afeto. Finalmente e em resumo, convém dosear a veemência conforme os auditórios e os temas (Figueiredo, 1873 pp. 30-32).

Quando passa às importantes matérias do Sublime e do Belo – como do gosto – diz então seguir o moderno “Hugues Blair nas Lições de retórica e belas-letras”. A receita é a mesma seguida por Castilho: o gosto depende da cultura estética (Figueiredo, 1873 p. 33), deprava-se pela ignorância, corrigindo-se por “razão” e “bom-senso”. Não pode portanto ser “arbitrário”, ficar “submetido à fantasia de cada indivíduo” (Figueiredo, 1873 p. 34). Se se pretende “excitar uma admiração durável e universal”, não se pode cair numa excessiva personalização da “fantasia”. A adesão do outro é fundamental e, para garanti-la, basta que, “em prosa ou em poesia” (portanto já confrontando prosa e poesia em vez de prosa e verso), se movam “os ânimos” ao mesmo tempo em que se “lisonjeia […] a imaginação”. Isso “agrada geralmente em todos os séculos e em todos os países” (Figueiredo, 1873 pp. 34-35).

O bom gosto compõe-se, em resumo, da adequação ao gosto público da imaginação e dos afetos (mais uma vez a mudança está longe de qualquer suposição). Dentro dele, o sublime representa a possível transcendência (pese embora o paradoxo). Tem o efeito de transportar “a alma acima de si mesma, sentindo e comunicando admiração e espanto”. Para consegui-lo o nosso objeto deve ser “grande e nobre” e as ações excelentes, mas não só, raras também – como tudo o que é grande, nobre, excelente. Para que se não desfaçam nem diluam tensões nem harmonias, deve o sublime radicar no “pensamento” mais que “nas palavras”. Estas, por sua vez, hão de ser enunciadas em “força, concisão e simplicidade”. Ao sublime tanto mal faz a frieza quanto a “inchação”, que vem de se empolar o objeto ou assunto (Figueiredo, 1873 p. 37) – ou as emoções.

Curiosamente, o Belo é dado como “termo da linguagem das belas-artes”, exprimindo no entanto algo ‘poético’: “o tipo ideal formado pela fantasia do artista”, a “beleza personificada e sem senão”. É o ponto mais fraco de todo o manual: o belo definido como beleza (como pode haver beleza antes de belo?), personificada – quando antes se sublinhava a cautela necessária face à individuação da fantasia. Mas a composição da beleza tem seus truques, que vão revalorizar o manual: manifesta-se ela pela cor, figura, movimento e fisionomia humana. O que não fica expresso, mas está pressuposto, é que uma intuição do Belo, ao mesmo tempo individual e socializada, nos conduz a conseguirmos cores, figuras, movimentos e fisionomias que o representem. Se estivesse explícito, o nosso retórico teria realizado uma excelente síntese entre Romantismo e Neoclassicismo.

No que diz respeito à sintaxe do discurso, enquanto macrotexto, ou seja, quanto à disposição das partes (clássicas: exórdio, informação, confirmação, peroração), tornam-se fundamentais os tipos de ligação: natural (por uma relação consequente entre pensamentos); passagem (artificial) perfeita (quando assinala ambos os pontos que liga) ou imperfeita (se num só dos pontos explicitamente refere a ligação); digressão (aquele “desvio” que será no entanto “útil ao fim” (Figueiredo, 1873 p. 44)).

Como se vê, estas Instituições, apesar de elementares, não caem na simples listagem de figuras, procurando manter uma orgânica do discurso sustentada por relações refletidas entre as partes. Quando se aproxima das listagens nunca deixa o autor de explicitar os conceitos, para evitar o papagueamento por parte dos alunos. Assim, por exemplo, as virtudes da eloquência nomeiam-se como “correção, clareza, precisão”; a correção deriva do respeito pelas “regras da sintaxe” (mais uma vez o sentido de mudança é alheio a tudo isto), a precisão consegue-se usando as aceções primordiais ou comuns, ou impossíveis de substituir (de mudar, portanto). A representação dos objetos deve conjugar energia, dando “vida às coisas inanimadas”, e analogia, mas reduzida a metáforas de aproximação, quero dizer, à comparação com objetos comuns, consabidos.

Por isso tudo os “tropos”, ou figuras, só devem surgir à falta de um termo próprio ou forte. Quando não, que pareçam naturais. Eles reduzem-se a quatro tipos: metáfora (por semelhança), ironia (por oposição), sinédoque (por compreensão!), metonímia (por conexão (Figueiredo, 1873 pp. 87-112; 113ss)).

Os estilos são três (quanto à “qualidade”): ténue (agudo, perspicaz, singelo e preciso), temperado (intermédio) e nobre (grave, rico, forte, enérgico e veemente)[3]. É fácil fazer analogia entre a caraterização dos três estilos e a colocação social do enunciador: o ténue está numa posição subalterna; o nobre é o chefe segundo o neoclassicismo (o déspota iluminado); a burguesia é temperada.


Outra obra fundamental, que circulava na época em Angola, era a do crítico e retórico francês Abel-François Villemain (Paris, 9.6.1790 – Paris, 8.5.1870). Desde logo fundamental pela estreita ligação que fazia entre a Retórica e a Literatura - por via da Eloquência - como também entre o Neoclassicismo e o nascente Romantismo. Creio que Villemain procurou colocar-se na perspetiva do que Longino chamava ‘o sublime’ – e terá chegado muito perto.

Uma das obras que faz a transição dos estudos estilísticos e da oratória para os estudos literários é o seu Cours de littérature française  (Villemain, 1855). Esta obra, de que li em Luanda os volumes II e IV, tem um grande interesse, maior ainda por quase ninguém se lembrar dela. 

Em primeiro lugar inclui-se na série das suas obras completas, toda igualmente encadernada nos volumes que vi em Luanda. Só por si não quer isso dizer muita coisa. Mas o facto de fazer parte da coleção o volume dedicado aos Discours et mélanges littéraires (Villemain, 1823) e o facto de esse tomo ter a assinatura de Alfredo Troni (com a data de 20.4.75, o que não é dispiciendo), levam-nos a pensar que o ilustre causídico e escritor obteve as obras de Villemain e, portanto, poderá tê-las lido e emprestado aos amigos em Luanda a partir de 1875. O pensamento literário da geração de 1878, particularmente o do criador de Nga Mutúri, fica mais claro, portanto, após a leitura desta obra, bem como dos Discours et mélanges littéraires.

Em segundo lugar, as obras de Villemain interessam pela influência que ele exerceu sobre o movimento romântico e pelas análises, imparciais e vivazes, que fez dos mais variados autores, aliando eloquência, literatura, história e teorias políticas – uma mistura à qual o Romantismo não foi nada estranho, mesmo no que diz respeito à Eloquência (tal como Villemain a concebeu).

O volume II do Cours de littérature française subintitula-se tableau de la littérature du Moyen Age en France, en Italie, en Espagne, en Angleterre – e, embora não o diga, tem um capítulo também sobre Portugal. Nele se comentam cronistas, oradores, poetas e prosadores em geral e parece-me ter menos interesse para nós – além do propósito de olhar a Europa ocidental na sua unidade e na sua diversidade e de olhar a Idade Média como origem da literatura europeia do século XIX. 

O volume IV, dedicado ao século XVIII (tableau de littérature au XVIIIe siècle), é um estudo sobre a Eloquência que vai comentar obras tão diversas quanto as dos oradores da antiguidade greco-latina (com destaque para Cícero), os oradores ingleses e franceses até ao fim do século XVIII, mas também M.me de Staël, os dois Chénier (André e Marie-Joseph), J. de Maîstre (em especial Les soirées de Saint-Petersburg) e a literatura francesa do começo do século XIX, com destaque para Chateaubriand.

A perspetiva de abordagem é sobretudo a da Eloquência misturada com a análise política, mas, apesar disso, lembrando muito Longino (que aliás explicitamente chama ao seu texto várias vezes, a par de Cícero e de Quintiliano, dois outros modelos seus). 

A “eloquência está longe de pertencer exclusivamente a obras que a prometem por assunto e título”, como diz na palestra de abertura do Curso de 1822 na Sorbonne. Ela “está em todas as grandes obras célebres do século XVII”, por exemplo. Por isso não admira que o Curso de Literatura que nos legou em livro seja, ao mesmo tempo, um tratado sobre teorias e teóricos da política e sobre a literatura vista como oratória. A mistura é equilibrada e muitos dos que, no século XX, quiseram colocar as Artes ao serviço da política, ou reduzir à Retórica a análise de qualquer obra, deviam ter lido com atenção este Cours de Villemain.

Porque tem mais relação com o tempo que estamos a considerar aqui, vou concentrar-me principalmente no que ele diz sobre o começo do século XIX. Em seguida comentarei, por óbvias razões, o seu «Discours sur les avantages et les inconvénients de la critique», incluído no volume das Mélanges.

Villemain distingue três “opiniões” que se instalaram no século anterior e transitaram para esse: a dos ultramontanos, com J. de Maîstre à cabeça; a dos céticos, vista como eco do século XVIII no XIXº; e, finalmente, a “opinião espiritualista, que será a alma do século XIX”. Seguro de si, remata: toda a ciência filosófica e literária se resume a estas três opiniões diversas”.

J. de Maîstre (1753-1821), um nobre do Piemonte que defendia o absolutismo (era um talassa, como João de Lemos em Portugal), refugiou-se depois da revolução francesa em São Petersburgo, onde viveu exilado e melancólico, mas ao mesmo tempo encantado pelas musas geladas daquele rio. Diz Villemain que o “Senhor de Maîstre tinha um irmão, mais espiritual ainda que ele, o autor d’um pequeno opúsculo filosófico, melancólico, sério, irónico, chamado Viagem à volta do meu quarto, e d’uma novela original e tocante, O leproso da cidade d’Aost”. 

Sobre o irmão já falei. Quanto ao mais velho, elogia Villemain Joseph de Maîstre pelo estilo cheio d’agrément e de vivacidade pitoresca, apesar da “austeridade das suas doutrinas” e do “gosto pelos estudos metafísicos” (estas duas citações constituem, sem dúvida, um exemplo de eufemismo). Mas reprova-lhe vivamente as ideias, citando por exemplo aquela passagem em que de Maîstre defende que a maioria dos condenados à morte por engano, se não cometeram o crime que os condenou, cometeram qualquer outro que não era conhecido e, portanto, não deviam deixar de ser condenados. 

Os comentários do crítico sobre o ultramontano estão recheados de uma ironia subtil e de elegante malícia, não deixando de ser pertinentes e muito bem colocados. Entre eles é de realçar a chamada de atenção para o facto de uma escrita como a de J. de Maîstre só ser possível em ambientes de liberdade – que ele combatia. Emil Cioran, muitos anos depois, irá sublinhar exatamente essa contradição de um homem que, se não fosse pela revolução e pela liberdade, não seria o escritor e polemista que foi, de estilo verrinoso mas vivo, acutilante, provocativo, “elevando o menor problema à altura do paradoxo e à dignidade do escândalo, manejando o anátema com uma crueldade tingida de fervor”, edificando “uma obra cheia de excessos, um sistema que continua seduzindo-nos e exasperando-nos”. 

Cioran não conseguia, de facto, ser insensível à “magnitude e eloquência das suas cóleras, à veemência com que se entregou ao serviço de causas indefensáveis” e isso muito por virtude da retórica de J. de Maîstre (Cioran, 1995 p. 11). Todo o seu «Ensaio sobre o pensamento reacionário» é um testemunho desse paradoxo entre a atração exercida pelo estilo e a repulsa conseguida pelo estilo associado ao conteúdo. Neste e em outros aspetos (acabados de focar), José Agostinho de Macedo ocupa uma posição idêntica no ambiente cultural português e lusófono da sua época (idêntica à de J. de Maîstre – embora o escritor francês não sofresse das vacilações nem do oportunismo do padre Macedo e lhe fosse largamente superior na arte; Macedo é muito mais rasteiro, muito menos coerente, sofre da paixão “pela provocação”, mas não tem a ajudá-lo o “génio da provocação” (Cioran, 1995 p. 11), é “acerbo” sem ser “elegante” – ao contrário de Joseph de Maîstre, que conseguia ter as duas qualidades em simultâneo (Cioran, 1995 p. 13)).

Mas Villemain procurava, acima de tudo, ser razoável e compreensivo nas suas análises. Parecendo misturar o espiritualismo com isto, porque a reação absolutista era também espiritualista (pelo menos dizia ser), comenta Joseph de Maîstre com ironia, mas também com bom senso. Compreende essa “primeira reação intelectual contra” as “violências” da revolução francesa, que teriam levado ao curvar-se “voluntário da razão perante uma autoridade religiosa, infalível, absoluta”. Através dessa reação se pretenderia “domar[4] e humilhar o poder popular que tanto havia abusado do desencadeamento de sua força”.

Considera então “La Mennais” representante deste espiritualismo ultramontino, um representante que merece destaque por vários motivos. Em primeiro lugar pela “sua enérgica eloquência”, pela “verve, talento, vigor”. Refere-lhe a “controvérsia espiritual, animada, mordaz, tal como ela se desenvolve nos Estados livres”. Apesar da colocação de Lamennais, em vários aspetos, como discípulo de J. de Maîstre, reconhece-lhe o traço independente e original do “escritor superior”. O seu comentário é, portanto, como o que faz ao ultramontano e a Chateaubriand, um bom exemplo de quanto Villemain entrelaça considerações estilísticas, estéticas e políticas. Considera o estilo dos três, apesar de sempre em algum aspeto eles se ligarem ao antigo regime, típico da efervescência dos países livres, típico de um meio no qual se debate muito e abertamente. Como vimos, Emil Cioran diria o mesmo e parece-me claro que seja assim. A cada regime ou sistema corresponderiam, portanto, senão estilos definidos, pelos menos traços estilísticos definidos e, por mais que as ideias dos escritores se afastem das dos Estados, regimes e sistemas políticos, o seu estilo fica marcado pelo ambiente democrático ou autoritário dos mesmos.

Esses traços estariam mais desenvolvidos e acordados aos conteúdos em Chateaubriand, representante do espiritualismo que Villemain considerava a alma do século XIX (ele estava ainda no início; chegado ao fim, não sei se Villemain manteria esta caracterização). 

A escola espiritualista é igualmente chamada “eclética”, ou “do livre exame”. Caracterizava-se pela recusa do terror ideológico, fosse ele absolutista ou revolucionário. Procurava examinar as doutrinas de todos os tempos, perseguindo “o verdadeiro e o bom sob todas as formas”, sendo “correto para com o passado e para com o seu tempo”. O superior exemplo era, para o professor e político parisiense, “a obra mais célebre dos começos do século XIX, Le Génie du Christianisme”. Vê nela a recusa da violência revolucionária, a “reclamação eloquente contra a inversão de toda uma ordem social”, a “invocação do que havia de grande e de nobre nas antigas doutrinas”, bem como “um anátema lançado sobre os crimes da anarquia e da força popular”. 

Mas reconhece que Chateaubriand não caiu na tentação da “raiva tonificante” (Cioran, 1995 p. 13) que o levaria pelo extremo oposto. A sua obra, de um vasto ecletismo e de grande erudição, junta “o entusiasmo dos velhos tempos e a razão moderna”, conjugados por “uma alta e viva inteligência”. O Génio do Cristianismo 
é o desenvolvimento poético, e frequentemente sublime, de todas as grandes coisas inspiradas pela religião, desde as boas obras até aos pensamentos de génio. 
Acha que Os Mártires, em contraponto, falam de um assunto que já nada interessa aos dias de hoje. Pelo contrário, em O Génio do Cristianismo encontramos 
a ideia de que as primeiras liberdades do mundo moderno, a abolição da escravatura, e os começos da emancipação política se religam ao cristianismo.
O que o diferenciava de Joseph de Maîstre era esse olhar ao mesmo tempo para o futuro e para o passado. Enquanto o ultramontano queria apenas voltar para trás, ou simplesmente reagir, o Visconde de Chateaubriand via no passado as forças vivas do futuro, o que dava à sua obra uma pujança ativa e criadora que faltaria à do autor dos Serões de São Petersburgo. Para Chateaubriand, segundo Villemain, eram três ou quatro as descobertas que tinham mudado o mundo: a descoberta da América, a da liberdade de imprensa e a do governo representativo (claro: além do Cristianismo). Qualquer delas apontava para o futuro.

Como se vê por estes comentários há, nas considerações estilísticas e retóricas de Villemain sobre a Eloquência, uma recorrente valorização do “vivo”, do “enérgico”, do “entusiasmo”, que se conecta muito bem com o Romantismo e com os clássicos greco-latinos (enquanto revistos por ele). Quando nos diz que Chateaubriand junta “o entusiasmo dos velhos tempos e a razão moderna”, é sob esse prisma que devemos entender a frase.

Quando fala sobre “a eloquência em geral”, descrê da possibilidade de previsão, ou de cálculo, ou de fecho “num certo número de regras e preceitos”, das “formas do génio”. Caracteristicamente romântico, reforça:
Há em todas as artes do espírito, e em particular na eloquência, qualquer coisa demasiado poderosa e demasiado livre para sujeitar-se aos sistemas dos retóricos.
Para 
conceber o génio da eloquência […] não há divisão, seja ela inventada por Aristóteles, não há preceitos, sejam eles dados por Cícero, que bastem. 
Estas afirmações evocam-nos logo o Romantismo, a sua firme crença na força do génio, da espontaneidade, na importância do que não se chega a definir e a consequente recusa de cânones pré-estabelecidos para a poesia. Mas há na tradição grecolatina elementos para fundarmos aí - tão para trás - e portanto legitimarmos, mesmo aos olhos dos neoclássicos, a defesa do ímpeto romântico.

A sombra clássica e da segunda metade do século XVIII nota-se pela citação de Buffon (nome que aparece no espólio de José de Anchieta, no fim do século XIX e que se vendia também no Rio de Janeiro na década de 1830) e pela moderação da defesa do ímpeto com a necessidade de 
sentir, ao menos pela imaginação, a força de todos os sentimentos humanos, comparar os séculos diversos e as inspirações dominantes, estudar todos os esforços e todos os acasos do talento. 
Nessa passagem torna-se já tão importante o estudo comparativo e exaustivo quanto a imaginação. Na síntese entre os dois repete Villemain a fórmula que elogia em Chateaubriand e, ao mesmo tempo, rende homenagem à razão iluminista, enciclopedista, enfim, à do seu tempo e do que imediatamente o antecedeu. Mas a sua leitura de Cícero, por exemplo, é uma leitura romântica, melhor, uma leitura inteligente do Romantismo, que põe do lado do novo movimento literário, cultural e artístico um dos principais valores do antigo. Ele procura provar (e é convincente) que os grandes oradores antigos (e Cícero em especial) também rendiam culto ao imprevisto. Segundo argumenta, Cícero dizia que só o começo do discurso é que tinha de estar assegurado pois, animado pela palavra, o orador ia até ao fim. O próprio Demóstenes teria recorrido muitas vezes a improvisos, por exemplo nos debates que se seguiam a alguns discursos, e não foi de menor génio nesses momentos. Encontramos no Brasil essa capacidade, na metade do século XIX, entre outros em Eusébio de Queirós e, em Portugal, em Almeida Garrett. 

O orador antigo, para Villemain, era um homem vigoroso, animado e que não faria nenhuma obra distinta de si mesmo. Opõe esse modelo ao intelectual “moderno” que, vivendo num ambiente com muita bibliografia, pode, por colagens e ajustamentos, juntar meia dúzia de ideias e mostrar um talento que, se o interrogássemos sobre o assunto, não revelaria. Palavras tão certeiras que ainda hoje identificamos facilmente as obras e os autores que se ajustam ao modelo mítico dos antigos, por ele romantizado, e os que exemplificam a denúncia da falsificação intelectual, que esconde uma absoluta falta de pensamento e de estilo próprios e animados, sob a malha das citações a la page – de que se continua a fazer muita da crítica universitária e da literatura nos nossos dias.

O ponto de equilíbrio em que se encontra (que Longino não estranharia) traz-lhe a vantagem de criar uma visão romântica da antiguidade grega e latina (similar à de Chateaubriand nisso mesmo) e essa outra de não recusar o trabalho oficinal, a pesquisa, a erudição, a razão comparativa e sistemática, desde que ela não se exerça fora da vida e do “génio”. O génio do Romantismo germinava ali também.

O «Discours sur les avantages et les inconvenients de la critique», inserido no volume Discours et mélanges littéraires das suas obras completas, inicia-se com uma citação de Voltaire: “um excelente crítico será um artista que tenha muito de ciência e de gosto, sem preconceitos e sem inveja”. A epígrafe é o mote que o ensaio inteiro desenvolve. Por isso reafirma constantemente (o texto, aliás, é repetitivo) cada uma das componentes críticas aí definidas. Na p. 30, por exemplo, sublinha que “uma censura imparcial triunfa das críticas apaixonadas” (e não é que ele não defenda a paixão crítica). Sete páginas mais à frente afiança que “o gosto não exige uma fé intolerante” e, na p. 38, confirma: “o bom gosto não é uma opinião, uma seita […] o bom gosto não é exclusivo”. 

Depois faz uma seleção dos melhores críticos segundo estes critérios. Eles “elevam a crítica ao nível dos seus pensamentos” e trazem ao exame das belas-artes “uma espécie de criação”. Essa parte criativa (e estética) do ensaio crítico era um ponto fundamental na transição e transferência de algumas virtudes do século XVIII para o seguinte. Por isso o bom crítico seria também escritor de talento e, 
como o sentimento das nossas próprias forças influi sempre sobre as nossas opiniões, o crítico sem calor e sem imaginação sentirá fracamente as qualidades que lhe são mais estranhas. 
Ao mesmo tempo em que o “seu gosto julga os escritores superiores”, o 
seu estilo o faz seu [deles] rival. Quintiliano e Longino parecem animados desta emulação; os seus elogios são lutas contra aqueles que eles admiram; e a sua própria eloquência uma homenagem mais aos grandes homens, que eles só podem celebrar igualando
Harold Bloom não precisava de ter inventado a ‘angústia da influência’; ela já estava aqui – numa visão mais elegante, convenhamos, e nem por isso menos pertinente. Trata-se de uma ideia muito atual, o que redobra o interesse por ela. Mas o autor, certamente formado ainda entre neoclássicos e enciclopedistas, vai à antiguidade buscar modelos: Aristóteles, por exemplo, e Quintiliano, além de Longino. Quintiliano aproximou-se dos grandes mestres esclarecendo “pela filosofia os princípios da arte oratória”. A frase articula-se a um ponto muito importante na crítica de Villemain – importante para ele e para nós. É que a arte fica vazia, sem interesse nem futuro, se desligada do pensamento reflexivo e, portanto, filosófico. Mas voltaremos ainda a esta exigência.

A consideração que tem pelos antigos, ele sublinha que se deve a considerá-los grandes escritores e não por serem antigos. E não só foram “mestres eternos da arte de escrever”, como também “grandes homens” (impressão facilitada, sem dúvida, por já terem morrido muitos séculos antes). Aproximando-se mais da sua época, volta-se para Boileau:
sem longo exame, com boas galanterias e bons versos, ele desacreditou os maus escritores, que quase todos se vingaram tornando-se maus críticos. Boileau foi o reformador do seu século; ele apoiava a sua doutrina sobre os seus exemplos; eis o que fez a sua pujança. O seu estilo era ainda mais temível do que os seus epigramas.
Em Angola, Boileau (Nicholas Boileau-Déspreaux; Paris, 1.11.1636 – Paris, 13.3.1711) foi citado ainda em epígrafe num poema do final do século XIX, portanto poucos anos antes de 1906, data em que saiu a edição parisiense de Flammarion que Fernando Pessoa tinha na sua biblioteca. Ele era também anunciado no Jornal do Comércio, por exemplo a 7.1.1830 (uma edição em dois volumes). A sua Arte poética – em verso, na linha de Horácio – saiu em 1674 e foi, no seu tempo, canónica, exercendo influência na Europa continental e na Inglaterra. Ele foi também um criativo, começando pela sátira. De maneira que, pelos dois motivos (escrever em poesia uma arte poética e ser escritor criativo) cumpria o paradigma do ensaísta, crítico literário e artista ao mesmo tempo. Tradutor de Longino, embora seja o paradigma do neoclassicismo francês, ajudou por essa tradução a preparar o horizonte europeu de receção para a chegada do sublime …romântico. 

Voltaire, aliás, cuja aura passou bem do século XVIII para o seguinte (e os dias de hoje), admira-o e não só por afinidade classicizante. Na linha dos melhores tratadistas, Boileau nos daria, juntos, o preceito e o exemplo, agregando o verdadeiro, o agradável e o útil, encontrando maneira de fazê-lo sem prejudicar em algum momento a pureza da língua, que nem mesmo o sátiro devia conspurcar usando “palavras sórdidas e baixas” para agradar a “populaça” – como diz no canto III (Boileau, 1881 p. 60). Foi este conjunto de virtudes, que são também as de um escritor, que levou Voltaire (e Villemain) a elogiar Boileau.

Para que os críticos não percam a modéstia nem deixem de respeitar a dificuldade da sua arte, Villemain foi tão severo com eles como eles com os outros escritores. Para isso, também, os comenta. Sobre o “sábio e elegante Addison”, afirma que levou a crítica “ao seu mais nobre uso, à glória do génio”; porém, não apresenta nenhum ponto de vista original (observe-se a tónica no critério da originalidade):
no exame do mais extraordinário de todos os poemas, ele julga Milton por Aristóteles: e o défice de invenção faz-se sentir até na sua maneira de admirar as ideias novas.
Ao “engenhoso La Motte” reconhece a 
verdadeira linguagem, e, por assim dizer, as graças da crítica. A sua censura é tão polida como a sua dicção elegante; só lhe faltava ter razão.
Passando a alguém que não podia deixar de louvar, assume:
Ninguém levou mais longe que Voltaire a nitidez do estilo, medida comum da justeza das ideias. Ninguém foi favorecido por um instinto mais delicado, e não nasceu com mais gosto. Sua razão estava madura desde a sua juventude; e a sua imaginação foi sempre viva.
Para além disso realça as “luzes” e “ideias” que ele tinha em tanta variedade sobre a literatura. Porém, o 
caráter ardente e volúvel não lhe permitiu guardar a invariável imparcialidade do crítico. A sua severidade é uma vingança 
e, por mais génio que seja e tenha justas razões de queixa, o ardor da vingança "turva-lhe o juízo crítico.” Daí que lhe reprove “uma censura por vezes irrefletida e injusta”, especialmente
da antiguidade clássica (La Harpe teria, por isso, como seu discípulo, meditado pouco os antigos), e mesmo desta outra antiguidade que começa com o século de Luís XIV.
A censura áspera afetava a eloquência do crítico, pois, tendo de apontar defeitos, ele devia fazê-lo com elegância: “ser severo sem ser ofensivo”. Por co-incidência (o hífen é propositado), os defeitos que Villemain aponta a Voltaire são largamente superados pelos elogios. Foi o “conservador do gosto, o representante da poesia francesa no seu século, o criador duma prosa original”, um
grande poeta pelo estilo e pela paixão, poeta de génio, passando com igual felicidade das graças da poesia ligeira à energia da verve teatral, estando cheia a sua rica elegância de precisão e de audácia.
A defesa dos clássicos contra os ataques que lhes eram injustamente dirigidos, que Villemain também faz ao criticar Voltaire, bem como a defesa dos grandes escritores dos séculos XVII e XVIII, marca uma posição muito própria, que o romantismo lusófono muito raramente assumiu, mesmo que na prática digerisse todos juntos. 

Essa clara posição complementa-se na crítica aos críticos arrastados pelas paixões. Enquanto eloquentes, é preciso que tenham vivacidade, enquanto juízes terão de ser isentos. Ainda assim acha que mesmo tal crítica (apaixonada e verrinosa) não será totalmente inútil, pois “um homem apaixonado pode dizer a verdade”. Esta aparente oposição (entre a defesa da paixão na eloquência e a sua recusa no juízo crítico) torna-se menos tensa quando percebemos que a recusa da paixão no juízo se prende sobretudo com as críticas agressivas e invejosas, ou os entusiasmos fáceis e comprometidos, pois
o crítico deve ser, como o historiador, afastado de toda a paixão, de todo o interesse, de todo o partido. Ele deve julgar os talentos bem mais que as opiniões.
Mas, mesmo quando não o faz, quando mal-intencionado, conduzido por uma paixão destrutiva, “qual é o detrator que, no exagero das suas censuras, não revela algum defeito verdadeiro?”. É por isso que, apesar dos abusos, a leitura dos críticos é, sempre, proveitosa.

Para além dos ecos de burrice, o bom gosto (palavra tão cara aos neoclássicos portugueses e a Castilho),
o bom gosto guarda em reserva um pequeno número de espíritos esclarecidos que se comunicam e se entendem, julgam a crítica, adivinham os interesses escondidos, e não acreditam mais no exagero das censuras que no furor dos elogios.
Uma vez avisados contra tais perigos, os espíritos críticos não deixam de sustentar-se no “sentimento natural”, pois ele é mais seguro, “para julgar”, que “a meditação”. O defeito maior de Marmontel, um discípulo de Voltaire e crítico não desprezível segundo Villemain, era mesmo o de ser “mais refletido que inspirado”.

Nesta constante oscilação entre valores ‘clássicos’ e ‘românticos’ (uma dissociação que ele procura apagar, ou que não tinha bem definida ainda), para Villemain a crítica não podia ser dissociada do gosto. O gosto é, segundo ele, “a sensação viva e refletida da beleza”. Algo sensacionista e, portanto, redutora, a caraterização do gosto é, porém, de molde a assegurar a vivacidade e, ao mesmo tempo, a sediar na receção a condição de beleza de uma obra. Por outro lado remete-nos para uma definição intuitiva da beleza, que é sem dúvida a mais prudente, visto que até hoje não alcançámos nenhuma definição não intuitiva consensual. 

O gosto é, no entanto, cultivado. “Refletido”, ali, possui uma significação dupla: a de espelhado e a de pensado. O estudo crítico deve sustentar-se e variar pela meditação atenta sobre os escritores e pelo exame comparativo das semelhanças do génio e das “diferenças de situação, de costumes, de luzes, que os aproximam ou os afastam da antiguidade”. Um comparatista, avant la lettre

O gosto é cultivado num segundo aspeto: porque ele, como a literatura, vive da justiça e da verdade, sem as quais fica imperfeito e lhe falta sentido moral (é caso para perguntar se, dentro da lógica argumentativa de Villemain, pode existir um gosto estético mas imoral). Há, portanto, uma ascese pessoal a sustentar o gosto crítico, uma exigência de profundidade e de rigor ético trabalhados com disciplina, continuidade. 

Em nome dessa exigência os comentadores fúteis, superficiais, hão de ser rejeitados. La Harpe (1739-1803), outro discípulo de Voltaire que Villemain também elogia, teria uma “eloquência temperada” (o que parece ficar a meio caminho entre a inspiração e a falta dela e é um conceito ainda clássico), mas pecava pela falta de profundidade no juízo. Nos periódicos, as suas colaborações foram “em geral consagradas ao elogio” e, sem dúvida, isso o condicionou negativamente, apesar de lhe devermos atribuir “a glória de ter proclamado o génio de alguns dos nossos grandes homens”. Aliás, a colaboração regular em periódicos parece-lhe perigosa, porque 
a necessidade de analisar cada dia o produto de cada mês reduz frequentemente a crítica a assuntos estéreis e ingratos
...uma observação, sem dúvida, mais útil ainda nos dias de hoje.

A profundidade exigida pelo gosto não tem só que ver com a ética, mas também com a verdade, como se disse atrás. É por aí que La Harpe falha, pois, apesar de “nascido para a crítica”, não terá sido mais que “um elegante demonstrador de verdades conhecidas”.
Em resumo e conclusão, o “gosto clássico” seria
sábio, sem ser tímido, exato, sem ser tacanho; que ele passe através das escolas menos puras de algumas nações estrangeiras, para se familiarizar com as novas ideias, se fortificar nas suas opiniões, ou se curar dos seus escrúpulos; que ele experimente, por assim dizer, os seus princípios sobre uma grande diversidade de objetos.
Todas estas qualidades e estes votos configuram e revitalizam o bom gosto, “o refinamento da razão cultivada, o aperfeiçoamento do sentido natural” através da leitura dos grandes autores. E grandes autores seriam Corneille, Boileau, Racine, Molière, por vezes Fontenelle e muitas vezes Voltaire (o cânone francês que ele propunha). Todos eles circulavam nos mercados do Rio de Janeiro e do Recife, como La Harpe, incluindo nos anos de mais intensas relações comerciais (até políticas) entre os dois lados do Atlântico-sul, em particular Angola e Brasil. Ou seja, é bastante provável (em alguns casos mesmo certo) que os tenhamos lido.

Não admira que seja a crítica um género de corolário, que só é possível depois de se desenvolverem todas as outras faculdades literárias. E isso, numa generalização muito ao gosto romântico, é tão verdade para cada pessoa como para cada nação: para Villemain, em França, o ponto de corolário teria surgido só depois do século de Luís XIV (1638-1715). Sendo a crítica uma disciplina posterior, é englobante, o que vem acentuar a necessidade de isenção no juízo e dar mais razões para nos afastarmos da crítica partidária (no sentido retórico e político). Redutora, a crítica esgotar-se-á com o seu tempo e “não produz uma impressão durável”. É, justamente, o que penso ainda hoje, o que não significa isentar o crítico de um juízo de valor estético.

Apesar de motivados circunstancialmente, os discursos de abertura dos cursos de Eloquência prestados por Villemain na Sorbonne, bem como os relatórios que fez anualmente justificando os prémios da Academia, completam o quadro de uma bibliografia crítica essencial. Embora não a explorando sistemática nem exaustivamente, não deixo de levar em conta estas peças, em particular no que se refere a nomes que se repetem nas fontes pesquisadas.

No discurso de abertura do Curso de Eloquência francesa de dezembro de 1822, diz que a Eloquência “pôs sua veemência e sua rapidez no imortal Curso de Bossuet (Jacques-Bénigne Bossuet; Dijon, 1627 – Paris, 1704) sobre a história”, tendo como grande protagonista a Providência Divina. Este Cours, ou Discours, era ainda usado pelos estudantes do Recife, entre os quais Eusébio de Queirós Coutinho, e dele ficaram exemplares em Luanda, como já disse. Recordando o que escrevi mais atrás, acerca da ligação forte que havia entre História e Literatura, unidas pelo amor da Eloquência e, por isso, do bem escrever, podemos argumentar que as lições de Bossuet não eram só para aprender acerca do passado, ou da intervenção divina na história humana...

As referências a Bossuet neste volume de Mélanges são várias, espalhadas e sempre elogiosas. Por exemplo na lição de abertura do Curso de 1822, depois de lembrar, com prudência, que “a imitação foi independente e criadora” no século XVII e na Corte de Luís XIV, exemplifica mais uma vez com o famoso historiador: 
Bossuet tinha entrevisto em Santo Agostinho e em Paulo Orósio o plano, a sequência, da vasta ordenação da sua História Universal. 
A Bossuet, “grande homem”, não somente exímio estruturador de macrotextos, “o privilégio do sublime” foi dado e com tal privilégio o historiador, como o pregador, teriam chegado a superar a oratória dos antigos. Estes franceses, sem dúvida, não deviam nada à humildade…

Mas a abertura do Curso de Eloquência de 1822 é importante ainda por vários outros aspetos. Um dos que, nos nossos contextos, se destaca é o da condição de liberdade para se atingir o momento sublime do discurso, ao qual me referi já. Ela não brilhará nos regimes despóticos, nem nas revoluções sangrentas. E, se se eleva com a democracia, não se trata de qualquer liberdade:
A eloquência não se elevará nessas democracias parcimoniosas e modestas, onde a liberdade não é um esforço do heroísmo, uma conquista do entusiasmo […]. A eloquência não se elevará nas repúblicas facciosas, onde os cidadãos amam ainda mais a vingança que a liberdade; onde a força decide incessantemente e assinala as suas vitórias sucessivas pelo exílio e pela morte.
De repressão, direta ou mascarada, sofreram vários dos nossos escritores e jornalistas ao longo do século XIX e até à independência, apesar de Portugal gozar de alguma liberdade. Mas, mesmo em Portugal, o liberalismo redundou numa troca de favores entre o poder do momento e os ‘representantes’ do ‘povo’, numa democracia calculista e de um patriotismo oscilante entre o Império, a corrupção e a especulação monetária, que não se importaria muito com a alienação das colónias. Aos colonizados (e a alguns colonos divergentes) era negada, porém, mesmo essa liberdade, ou ela teria que se reduzir tanto que, realmente, já não lhe podíamos dar o mesmo nome.

A eleição da verdadeira liberdade, conquistada e merecida, como condição do Sublime ganhava corpo no elogio de Tocqueville, premiado pela Academia com oito mil francos (o grande prémio Montyon, estabelecido em 1796). No relatório de 1836, Villemain justifica o prémio concedido a Democracia na América, de Tocqueville, que era anunciado no Diário de Pernambuco em 1845. 

Ele começa por citar Cícero, um dos seus ídolos: “a verdadeira coragem, é a energia combatendo pela equidade”. Nada mais moderno, ou contemporâneo. A justificação da escolha articula o princípio moral (coragem combatendo pela equidade) e a virtude retórica (energia) de Cícero numa visão mais completa e moderna: A democracia na América junta “a grandeza do assunto, a novidade das pesquisas e a elevação do ponto de vista”. A nota moderna, aqui, vai para “a novidade das pesquisas”. Não é a aproximação a um tema padronizado e consagrado, mas a inovação que se premeia.

É interessante, no entanto, ver que, no resumo das virtudes do livro, as virtudes do estilo marcam uma presença forte: realça-lhe 
o talento, a razão, a altura [elevação] da perspetiva, a inabalável [ferme] simplicidade do estilo, um eloquente amor do bem. 
A nota moderna vai, neste caso, para a “simplicidade do estilo” – não que a tradição clássica não conhecesse a simplicitas, mas perante a época o elogio da simplicidade ganhava o tom de um aval ao que se começava a notar de novo na literatura. 

Tocqueville é considerado, também, como um escritor, da “escola de Montesquieu”, sendo esse outro motivo de respeito. Nessa linha, o reconhecimento da Academia coroava-se” pela utilidade (razão do prémio) e pela “beleza do trabalho. Essa beleza constituía-se, não só por virtudes técnicas do estilo, mas principalmente pelo movimento que nos levava do tema (circunstancial) até à natureza profunda dos homens, religando espiritualidade e liberdade. O recado foi, certamente, ouvido em Angola por filhos da terra...  

Entre livros e escritores elogiados, uma obra que vem do século XVII e de França e que foi muito anunciada no Recife, no Rio de Janeiro, lida em Angola também (onde se encontrava, por exemplo, na biblioteca de Bernardino da Silva Guimarães, ao Bungo, em francês), foi o Telémaco de Fénelon (François Salignac de La Mothe de Fénelon, 1651-1715). Escritas entre 1693 e 1696, o nome completo do livro era As aventuras de Telémaco, filho de Ulisses, ou sequência do quarto livro d’A Odisseia de Homero. As suas Obras espirituais estavam também nas estantes da Biblioteca do Governo Provincial de Luanda quando as consultei. Diz dele Villemain que o autor, para se inspirar, uniu a musa de Homero à eloquência. Neste caso me parece redutora a leitura de Villemain, havendo um aspeto mais moderno a considerar no Telémaco de Fénélon, que sai da herança clássica diretamente para um mundo em processo de globalização.

Villemain elogia também Augustin Thierry, principalmente pelas suas Considérations sur l’Histoire de France. Há um livro dele anunciado no Recife em 1840 e a Revista universal lisbonense noticia a saída de alguns volumes das suas obras completas em dezembro de 1841 (Anónimo, 1841). Mas o mais interessante, para nós, é a definição de História que se elogia, atual ainda: “uma história toda intelectual de sistemas e de ideias”, e também “a discussão das origens francesas tal como cada século as supôs e tal como a nova história as demonstra”, no caso num trabalho “metódico e sensato”. Portanto uma história das ideias e não apenas de factos, além disso atenta à receção e interpretação das Histórias anteriores.

Embora não tenha visto nenhuma referência, até hoje, ao autor nas fontes pesquisadas, a figura de Schlegel devia ser no mínimo conhecida no século XIX em Angola. É natural que tenham ouvido falar nele, ou lido sobre ele (por exemplo na obra do crítico francês), mesmo que não o tenham lido a ele diretamente. Villemain elogia o “ousado e brilhante Schlegel, no seu Curso de Poesia Dramática” e propõe-no para “modelo de crítica”. Cita-o e aproveita-o várias vezes ao longo do Curso de literatura francesa. No entanto, havia diferenças muito significativas entre ambos. Por exemplo Schlegel dizia que o julgamente mata o entusiasmo; Villemain, pelo contrário, acha toda a vantagem no julgamento isento orientando ou condicionando a paixão entusiástica. 

Outros modelos (ele falava em comparar as literaturas francesa e espanhola) eram Sismondi (História Literária da Europa Meridional) e Lord Holland (sobre Guillen de Castro e Lope de Vega). Sismondi, que intensamente conviveu com M. de Stäel e Benjamin Constant, ainda espreita, às vezes, nos anúncios do Diário de Pernambuco e do Jornal do Comércio (mas a propósito das Ciências Sociais e da Economia Política), Lord Holland não. São referências que, provavelmente, não lemos em Angola.

Mais dentro da literatura aparece, no relatório sobre os concursos de 1845, a referência à “menção pública”, feita pela Academia, da obra D. Sebastião de Portugal, de Paul Foucher. Caracteriza-a do seguinte modo: “fragmentos de uma epopeia cristã levada ao teatro por uma imaginação estudiosa e viva”. Apesar disso reconhece que a peça é desigual, portanto nem sempre boa, mas com cenas felizes e “fortes intenções”, o que faz dela 
menos uma obra completa que uma esperança. Ele mostra uma via nova, a da exaltação poética unindo-se a um drama familiar num assunto moderno. 
O acento na modernidade do assunto, naquele tempo equivalendo a contemporaneidade, mantinha Villemain acordado às novidades da época, permitindo assim que a sólida formação clássica não esclerosasse, fixada em velhos autores, e que pudesse acolher o começo do romantismo alemão, nessa altura visto como contraponto nacional (e tendencialmente imaginativo, fantasioso, irracional) à literatura e cultura francesas, ainda racionalistas.

O mais importante, no final destas resenhas, é que os textos de Villemain sobre Eloquência constituíam também textos de crítica literária. Recorde-se o início do Discurso sobre as vantagens e os inconvenientes da crítica
l’éloge d’un orateur ou d’un poète […] voilà sans doute pour les jeunes élèves de l'art d'écrire une tâche plus heureuse.
Podemos cunhá-los como crítica retórica, na medida em que são valores e conceitos da retórica aplicados ao juízo estético das obras. E foi justamente por aí que, a meu ver, alargando ou alternando os valores e critérios principais em função do Romantismo e das escolas posteriores, foi justamente por aí que se guiaram os melhores críticos lusófonos do século XIX, como o impetuoso Lopes de Mendonça. O veio principal da crítica de ambos foi, para além dos enxertos biográficos (explicando as obras também em função do drama humano vivido pelos autores), o de uma análise eloquente da Eloquência dos escritores – por exemplo da sua veemência, da sua capacidade de sugestão, da sua capacidade de representarem os instantes e anseios em que a sociedade e a mentalidade do seu tempo e lugar vibraram. Se, por cima disso, deduziam das obras uma visão geral, o autor entrava seguramente nos Campos Elíseos da Literatura. Note-se que, para Villemain, a Eloquência não se alcançava nem com o orador, ou escritor, distanciado da vida do seu tempo, nem na ausência de uma visão do mundo, da verdade e da vida a que chamaram muitos Ffilosofia. Sem esse conteúdo reflexivo, o discurso tornava-se fútil, caía no vazio, seria desprezível. É por isso que, no Relatório de 1836, no elogio a Tocqueville, Villemain dirá: “as letras são a filosofia da política.” Ainda nesse mesmo discurso, realça:
mas, à parte estas considerações totalmente políticas, o que faz a beleza e frequentemente mesmo a profundidade da obra é o sentimento moral e religioso […] que ele encontra em todo o lado.
É, portanto, a reunião da variedade, sob uma visão holística assente na vivência comum do que há de mais profundo no homem, o que traz a beleza à narrativa e à reflexão política de Tocqueville.

As análises das instituições americanas “tocam no fundo mesmo da natureza humana e na grande contradição social do nosso século”, o divórcio entre religião e liberdade. Esta ligação de um pensamento vivo, aplicado a uma sociedade contemporânea, vendo-a pela profundidade do drama humano que nela se agita, como em todo o mundo contemporâneo, dá-nos a ‘visão geral’ sem a qual a Eloquência não se tornaria sublime, nem boa, nem útil.

Mesmo para os melhores críticos românticos lusógrafos, parece-me, a emoção, o sentimento, não bastavam, também, para garantir uma grande obra. Era preciso mais, atingir o nervo, um nódulo fundamental que, uma vez desdobrado, nos revelasse e explicasse o Século, o Amor, o Drama, na decorrência de uma visão original e profunda do Homem e do mundo. Em Portugal, Soares de Passos irá destacar-se do seu grupo justamente pela visão cósmica de que se aproximou...

Para atingir o nódulo que ligava a arte, as emoções, a vida social, o valor ético e a visão do mundo, a escolha do assunto era o momento fundamental. Por isso, na abertura do Curso de Eloquência francesa de 1822, Villemain recontava um episódio famoso (Villemain, 1823 p. 279), do qual retira este ensinamento, aliás antigo: 
privada de matéria (ou asunto) séria e nobre, a arte oratória não é mais que um vão estudo
simples exercício de estilo. Logo em seguida ele vai ligar essa exigência, de assunto sério e nobre, ao discurso na tribuna, no púlpito, e ao teatro, para, poucas linhas depois, estendê-la aos “escritores” (Villemain, 1823 p. 281).

A comoção de quem fala sublinha-se na sequência, sublinhado que faz a ponte para o Romantismo – mas exigindo uma língua, um idioma perfeito ou aperfeiçoado, polido (cujo paradigma seria o francês), para que o orador (e, portanto, o escritor) atinja a excelência. O idioma polido não é mais, porém, do que a consequente expressão de uma sociedade profundamente urbana, cortês, elegante, que substituiu a rudeza celta (ou a dos francos) e a sublimou pelos exemplos clássicos. Isso não significa mera adesão a um estilo padronizado – o que seria tão mortal quanto era para os românticos. O exemplo de Montaigne serve ao académico francês para exemplificar a necessária naturalidade e irregularidade poéticas, de que o orador necessita para ser eloquente. Ou seja, também nisto Villemain encontra uma ponte oportuna (e francesa) para se fazer a passagem do legado clássico para a oratória e a poética românticas. O seu posicionamento evitaria debates em grande parte estéreis, como a prolongada e bacoca polémica do ‘bom senso e bom gosto’, no embate entre a tropa de Castilho e os soldados realistas para ocupar um posto na Universidade. Repare-se nesta passagem (Villemain, 1823 pp. 283-284):
Com efeito, a eloquência, praticada como arte, exige tanto de gosto quanto de imaginação e calor. É necessária uma incrível perfeição de razão para adotar paixões estranhas, apropriá-las pela ilusão oratória, e as exprimir sem esforço e sem debilidade. É a obra-prima dos homens de génio no século do bom gosto. Mas, logo que Montaigne chora La Boëtie, inconsolável por tê-lo perdido, é bem necessário que sua linguagem seja viva, natural, penetrante como a sua dor.
O que fica, portanto, do grande retórico é a procura constante de equilíbrio entre virtudes retóricas, humanas e estéticas agregadas num mesmo feixe de critérios, bem como entre virtudes estéticas, aperfeiçoamento moral e capacidade de comoção. Fica, ainda, a atualização do legado clássico, testada a sua intemporalidade pelo confronto com a literatura viva. A tónica posta na veemência denota com particular acuidade a atenção que dava à mudança de paradigma estético por ele, assim, acompanhada. O Sublime não se realizava sem a sugestão mais vívida. Essa era a passagem para o século XIX - como também para os posteriores.












[1] Coimbra: J. Augusto Orcel.
[2] Do «Prefácio» à 1.ª ed. em português.
[3] Instituições…, cit., pp. 155-159.
[4] O verbo usado por Villemain é “mater”, do xadrez (dar xeque-mate).

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