Romantismo inglês e... noveloso


Não me lembro de quando ouvi isto pela primeira vez, mas o primeiro romântico de língua inglesa terá sido Shakespeare. Pelo menos, relida a partir de uma ambiência romântica, a sua obra redobra de intensidade – como alguns sonetos de Camões e de Bocage.

Livros do grande poeta e dramaturgo foram lidos entre nós também no século romântico. Aliás, em carta de José da Silva Maia Ferreira ele fala no mouro de Veneza, o que já referi. Uma vez que, na época, era mais comum o domínio da língua francesa do que o da inglesa, não deve surpreender-nos que algumas referências sejam de traduções para o francês. Por acaso, a mais antiga que recolhi, entre as angolanas, “1 vol.” num espólio de 1856 em Benguela, não menciona se é tradução. As três referências da antiga Biblioteca Municipal de Luanda incluem duas em tradução para o francês e uma em inglês (Shakespeare, sd).

Uma das traduções para o francês permite-nos perceber como Shakespeare entrou garbosamente no romantismo francófono e, ao mesmo tempo, como era considerado pela pequena elite comercial e docente da Luanda da época. Ela pertencia a Joaquim Eugénio de Salles Ferreira, nome cujo significado social, cultural e económico já resumi. A tradução foi feita por François-Victor Hugo e trata-se dos Sonetos, não dos famosos dramas (Shakespeare, 1857). O tradutor foi o quarto dos cinco filhos do grande poeta francês e faleceu com 45 anos, vítima de tuberculose. A sua foi a primeira tradução dos Sonetos, visto que Shakespeare era, até então, mais famoso na francofonia (e não só) pelo seu teatro do que pelas suas líricas. O exemplar encontrado no Gabinete Provincial de Luanda era da primeira edição, que saiu em separado, havendo uma reedição integrada na tradução de toda a sua obra em dezoito volumes (desta havia uma reedição posterior, em sete volumes, que constava da Biblioteca de George Sand – autora citada em O progresso do Recife). Acordado aos cânones da época, para maior fidelidade ao conteúdo o tradutor verte os sonetos de Shakespeare para o ritmo da prosa. Isso mesmo fora teorizado por Chateaubriand ao traduzir o Paraíso perdido de Milton, versão publicada em 1836 (Milton, 1836) e com reflexões interessantes, muito precisas e muito pertinentes, acerca da tradução.

A outra tradução de Shakespeare é das Oeuvres completes e deve-se a Benjamin Laroche (1797-1852), sendo prefaciada por uma introdução de Alexandre Dumas (Shakespeare, 1939; 1942). Trata-se da segunda edição, a julgar pelas datas, pois a original é de 1838-1840. Ela ficou famosa na época, aliás basta reparar no brevíssimo intervalo entre as duas primeiras edições. Constava também da biblioteca de George Sand (1804-1876) a primeira edição. O tradutor verteu para francês ainda as obras de Lord Byron, de quem falo a seguir.


Lord Byron (George Gordon Noel Byron, sexto Barão de Byron, 22.1.1788, Londres – 19.4.1824, Missolonghi, Grécia) é uma referência forte no romantismo lusófono (Cunha, 1979 pp. 51-52; 56-57) e não só (não só lusófono como também não só no Romantismo). Em Portugal, por exemplo, Antero de Quental tinha na sua biblioteca uma edição da Childe Harold’s pilgrimage (de 1860, impressa em Londres) e outra de Poetical works (de 1852, de Londres também (Fraga, et al., 1991 p. 44)), de editor diferente da que se vendia pelo Diário de Pernambuco em 7.10.1840. Precedido pela fama da sua figura pública, em Benguela apareceu, num espólio de 1856, uma Vida de Lord Byron que, pelas datas, não pode ser o famoso homónimo de Emílio Castelar (seria talvez a de John Galt [1779–1839], escrita no Verão de 1830 e posta a circular em Setembro desse ano; ou um dos três primeiros volumes do homónimo de Thomas Moore, cujo terceiro volume saiu em Londres em 1854). Segundo Ubiratan Machado, “fascinados pela figura de Lorde Byron, os estudantes proclamaram o ideal de reproduzir em pleno Brasil suas loucuras, farras e extravagâncias” (Machado, 2001 p. 181). Numa via diferente, Fernandes Pinheiro vislumbra nos Suspiros poéticos e saudades, de Gonçalves de Magalhães, “a vigorosa imaginação de Lord Byron” (não sei onde é que ele viu tanto vigor – no que diz respeito a Gonçalves de Magalhães, escritor mais conceptual que de sugestões visuais ou de verbo inflamado). Gonçalves Dias procurou as obras do famoso Lorde, pedindo a um amigo que as adquirisse numa edição francesa – curiosamente numa edição francesa... na mesma língua em que, por duas vezes, as encontramos nas fontes angolanas. E o romantismo brasileiro acabou por encontrar o seu Lord Byron, muito seu: Manuel Antônio Álvares de Azevedo.

Observe-se que Lord Byron foi mais transacionado que Vítor Hugo (presente no romantismo lusófono, citado por poetas angolenses ou residentes, mas ausente nas fontes pernambucanas dentro do período estudado lá). Ambos o são menos que as novelas de Walter Scott, que admirava Byron e com ele conviveu em Londres como quem assiste ao brotar de um jovem génio. O ambiente bibliográfico da primeira metade do século XIX, aquele em que se formou José da Silva Maia Ferreira, o que tinha de mais romântico – no que diz respeito às fontes inglesas – era mesmo Walter Scott e Lord Byron. Que Maia Ferreira e Cordeiro da Mata muito provavelmente leram.

Cordeiro da Mata, não sei se influenciado por Byron ou por Molière, escreveu duas quadras no Almanach de lembranças intituladas, por sinal, «Linda e má: deceção de D. Juan» e é Cordeiro da Mata que, já mais próximo da morte, num seu folhetim menciona, a par de Byron, o poeta brasileiro Álvares de Azevedo. No primeiro volume desta série (Soares, 2012) detetei muitas coincidências entre as opções estróficas de Álvares de Azevedo e as de vários dos nossos poetas, incluindo J. D. Cordeiro da Mata; a citação a que me refiro reforça a possibilidade de os nossos poetas novecentistas terem lido o ‘Byron brasileiro’. 

Em outro dos seus poemas, «Quicola!», Cordeiro da Mata classifica a “donzela” de “fada, huri e deidade”. A referência à “huri” não é habitual. Isso não vai liga-lo, obrigatoriamente, a Lord Byron, mas pode aproximá-los. Porque é justamente em Don Juan que Byron refere as “hurís no paraíso pagão descrito por Maomé” (Byron, sd p. 12). Uma vez que parte do enredo se passa em Constantinopla, há mais referências às “hurís” ao longo do livro – e mesmo já quando o herói está em Londres o autor se refere a elas. A referência vem sempre junta, não podia deixar de ser, com a menção ao paraíso, a que acedem os que morrem lutando pelo Islão, e com a menção ao harém. A mesma referência ao harém aparece em outro poema de Cordeiro da Mata publicado no Almanach de lembranças e de motivação africana, mais precisamente «Uma Quissama / (A Carlos d’Almeida)». O poema termina assim (Matta, 2001 pp. 109-110 - datado de “Tombo, Setembro, 1881”):

Co'o seu andar magestoso,
 
co'o seu todo gracioso,
 
quando a quissama encarei;
 
em possuir um harem
 
e nelle ter umas cem
 
– como um sultão – desejei!...

Segundo Byron, no Don Juan, “o Sultão não via […] senão as hurís de olhos negros que preparam no paraíso o leito dos valentes” (Byron, sd p. 64). Ainda segundo Byron, em O cerco de Corinto, o renegado veneziano Alp servia o Crescente, “seguro de gozar no paraíso / o sempiterno amor das Houris bellas” (Byron, 1839 p. 10).

O mito das húris e do paraíso maometano, com certo exotismo relativo ao ‘Oriente próximo’, tornou-se comum na época, sob a influência de narrativas de prestigiados autores, como Voltaire, Byron e Chateaubriand. Mas é em Byron, quer-me parecer, que o mito ganha mais intensidade e, precisamente, por causa das húris. Uma breve comparação com As aventuras do último Abencerragem nos ilustra bem a diferença. O facto de sobreviver ainda um exemplar da época na Biblioteca do Governo Provincial de Luanda (Chateaubriand, 1832) reforça a pertinência da comparação, para a qual usei a versão digitalizada de uma tradução posterior em apenas cinco anos (Chateaubriand, 1837). Chateaubriand imagina o regresso do Abencerragem a Granada, regresso no qual sofre uma paixão fatal pela neta do Cid, que matou seu avô. Quando se descobrem as ascendências, apesar de parecer que o Abencerragem se converteria para fazê-la feliz, o Amor revela-se impotente perante a História familiar e a Religião, as inimizades antigas, e tudo se desfaz para sempre. Em O cerco de Corinto Alp tem um grande amor por uma antiga paixão cristã. Há uma breve tentativa (imaginada? real?) de cada um para tentar converter o outro e realizar o Amor, como também sucede em As aventuras do último Abencerragem. Mas enquanto nesta obra essa barreira e essa tentativa alimentam a tensão que sustenta a expetativa – e, portanto, a atenção – do leitor, em O cerco de Corinto ela foi meramente episódica. Também no livro de Chateaubriand os Cavaleiros, com toda a nobreza, evitam maior desgraça, retirando-se o Mouro e recuando igualmente na sua sanha os dois cristãos (o irmão e o pretendente que o irmão queria casar com a musa católica, Blanca). Em contraste, na estória de Byron o possível genro traidor (porque se tornou muçulmano) e o possível sogro (exemplo de coerência) combatem mortalmente. No final da estória de Byron a destruição da possibilidade do Amor cristão é a destruição da própria presença cristã naquele espaço. Em contrapartida, como citámos acima, Alp sonha com o paraíso maometano por causa das húris. No Don Juan, a passagem pelos domínios do sultão dá azo a uma relação apaixonada e sensual (ainda que oportunista) de uma das mulheres do harém com o protagonista, que depois foge dali graças a isso. Parece que o próprio Byron sonha mais com as húris do que com o mito romântico do Amor único, selado pelos Céus. A sensualidade com que narra algumas cenas, a perspicácia com que torna quase inevitáveis e naturais relações imorais para os cristãos europeus, aproximavam-no certamente mais de Angola do que o misticismo monogâmico de Chateaubriand… 

Uma expressão usada num verso de Cordeiro da Mata, que já comentei a propósito de Lopes de Mendonça, foi também várias vezes repetida no Don Juan de Byron. A passagem do poeta angolense encontra-se na segunda parte do conhecido poema «Negra». Ela foi muito e mal discutida, porque o poeta garante que, se fosse branca, a negra seria, “das filhas de Eva”, a primeira em beleza, textualmente “a prima”. Críticos anacrónicos argumentaram que isso implicava retirar a mulher negra do concurso de Miss Universo, uma vez que ela precisava de ser branca para ser a “prima” em beleza. Alguns interpretaram mesmo “prima” como indicando a filha dos tios…

A palavra “prima” com o sentido de primeira não foi só usada ali pelo nosso poeta. Aparece novamente em «As africanas», que o vate do Quanza dedicou a J. J. Ornelas, capitão do exército colonial (Matta, 2001 pp. 157-158):

Pensava então

Que nestes climas

Jamais havia

Belezas primas

É muito preciso o sentido do adjetivo: belezas cheias de “primores”, portanto primeiras, de primeiríssima beleza; “primores” é, de resto, palavra que o nosso poeta usa cinco versos acima com a mesma função. As primas, ou primeiras, eram-no por isso (cheias de primores). É nesse sentido que Joaquim Dias afirma que a ‘negra’ seria, das filhas de Eva, a “prima” – se viesse ao mundo com uma tonalidade clara, como se supunha que vieram as filhas de Eva. Note-se, a propósito, que isso não implica, necessariamente, uma conotação negativa para a pele negra e outra positiva para a branca. A «Salve Rainha» que os padres Pacconio e Couto verteram para quimbundo continha estes versos ainda no começo: “salve a ti bradamos os degredados filhos de Eva”. O poeta feminizou, dado o seu motivo, a geração primeva e degradada (por causa do pecado capital), à qual não pertenciam pessoas negras – supunha-se, pois a estória se conta numa zona onde pessoas assim deviam ser muito raras. Portanto, para ser a primeira entre as filhas de Eva, a musa do poeta teria de ser branca porque as filhas de Eva eram brancas - imaginava-se na época. Não porque fosse inferior. Se lermos bem a lírica de Cordeiro da Mata e levarmos em conta toda a sua obra, como a sua biografia, percebemos que não fazia qualquer sentido essa leitura anacrónica, ofensiva e redutora. Tanto mais que o poeta negro do rio Quanza podia estar a rebater, igualmente, uma ofensa colonial. Explico-me: no vol. II do livro De Benguela às terras de Iaca, publicado pela Imprensa Nacional em 1881, Capelo e Ivens dizem que as mulheres do Hungo eram "degeneradas filhas de Eva". Eles não estendem o epíteto a qualquer mulher negra, mas sim às filhas do Hungo. O poema de Cordeiro da Mata foi enviado para o Almanach de lembranças, provavelmente, em 1882, pois as colaborações costumavam ser enviadas com dois anos de antecedência relativamente ao ano a que se destinavam (o Almanach para 1884 era terminado ainda em 1883). Algumas, não muitas, foram enviadas no ano anterior. Em qualquer dos casos, o poema se envia logo a seguir à impressão, em Lisboa, desse vol. II do livro dos exploradores portugueses. E parece responder a eles.

Os comentários da crítica militante e apressada não me parecem, por tanto, derivar de um raciocínio acordado ao texto e à época. Recapitulando: não sendo branca, a negra não era de “côr primeva”, pois Cordeiro da Mata – e muitos mais no seu tempo – julgava ser a cor de pele de Eva muito clara e, por esse motivo, a cor original da humanidade (recorde-se toda a iconografia cristã que veio da Europa ocidental e católica para as igrejas das Américas e das Áfricas, iconografia quase totalmente ‘branca’). A expressão “filhas de Eva” era tomada, no caso deste poema, no sentido estrito de as filhas reais da primeira mulher, Eva, que seria branca. Uma vez que a negra (embora descendendo, como todos nós, de Adão e Eva), não tinha a cor “primeva”, não podia ser das filhas de Eva. Pelo contrário, era contemporânea e dos trópicos, a quem o “clima” – um carro doido – alterara a cor original e, pelos vistos, apurara a forma. Em sendo branca, ela seria a primeira das “filhas de Eva” – e o que mais nos interessa passa agora a ser esta última expressão. A expressão “filhas de Eva”, no sentido geral, é usada por Byron para se referir às mulheres (no caso dele, nórdicas loiras e mediterrânicas morenas) (Byron, sd p. 54). Por isso também as trata só como “belas Evas” (Byron, sd p. 24). A expressão “filhas de Eva”, pelos vistos, era comum no tempo (aliás, desde o advento do cristianismo), o que não impedia que a tomassem também no sentido literal. O seu uso pode resultar, ou ser reforçado, pela leitura de alguma obra do romântico inglês.

Voltando à circulação da bibliografia do excêntrico poeta londrino, circulava no mercado recifense, em português, O cerco de Corinto, tendo sido um exemplar oferecido ao Gabinete Literário. Mas a obra estava inserida igualmente nas Complete works e nos Poetical Works of (reunindo os textos do autor impressos em vida. Este exemplar pertenceu ao nosso já conhecido J. E. de Salles Ferreira, que pelos vistos também sabia inglês) e nas Oeuvres completes, tudo encontrado na Biblioteca do Governo Provincial de Luanda (dois volumes, em tradução para francês de Benjamin Laroche. O primeiro inclui «Poesias diversas – Childe Harold» e inclui uma notícia de sete páginas sobre o autor. O segundo integra simplesmente «Poèmes» e sai na mesma altura). Outra edição francesa das Complete works (trad. Laroche também, possivelmente a que procurava Gonçalves Dias, ou a trad. Amédée Pichot, de 1830[1] mas em edição de 1842) é mencionada pelas listas de livros do Arquivo Histórico Nacional de Luanda. Lara, por sua vez, editou-se isoladamente no Rio de Janeiro, onde o Jornal do Comércio dava conta disso (Byron, 1837). Novamente no Recife, em inglês, anunciavam-se os “Poetical works of”, em Outubro de 1840.

As obras completas em inglês, encontradas na biblioteca do Governo Provincial de Luanda, possuem por título The complete works of Lord Byron, including the supressed poems, and supplementary pieces, selected from his papers after his death. Vem tudo num volume só, editado em Bruxelas, por Lecharlier, em 1830. A folha de rosto apresenta uma assinatura sugestiva: “Iozé Bento Valdez”, sem localização.

José Bento Valdez é um nome recorrente na família nobre portuguesa dos Travassos Valdez, entre outros títulos Condes do Bonfim. Jozé Bento Travassos Valdez, segundo Conde do Bonfim, cuja biografia atravessa quase todo o século (1814-1881), pode ter sido o proprietário do livro. Entre muitas outras funções, este Par do Reino foi Secretário do Governo-geral de Angola de 1841 a 1845. Pode ter deixado por ali aquela obra, pode mesmo tê-la oferecido a algum interessado e, mais tarde, ela veio a ser integrada no património camarário. Em 1847 ele voltou, como degredado político, para Angola, acompanhando o seu pai (primeiro Conde do Bonfim, a quem foi dado o título pelo desempenho à frente do Ministério da Marinha e Ultramar), que foi preso na sequência do golpe de Costa Cabral, a que se opôs tenazmente. Por sinal o seu pai fôra, em 1841, o ‘fundador’ do presídio de Moçâmedes... Com receio de que o desembarque em Luanda provocasse uma revolta, enviaram-no para a Angra do Negro (Moçâmedes), onde estalou revolta a favor do pai e da Junta do Porto. Seguiram então para Santa Helena (a ilha onde fecharam Napoleão Bonaparte a sete chaves). À saída para Santa Helena foram apanhados por um navio inglês, que os levou ao Governador de Luanda. Na sequência da sua prisão pelo Governador, o filho mais velho, Jozé Bento (Travassos) Valdez, foi preso para Benguela e ficou junto à Praia Morena até 23 de Agosto – data a partir da qual os deportados regressaram a Portugal. Segundo outra versão, da época, o pai e o segundo filho, autor de Almanaques, terão ficado presos em Luanda até estalar uma revolta a seu favor, enquanto o primogénito Jozé foi, logo nessa altura, para Benguela; quando embarcaram para Moçâmedes o pai e o segundo filho, passou o navio em Benguela e recolheu também o primogénito. Quando apanhados pelo capitão inglês Dike, que os levou ao Governador-geral depois de os roubar, foram de novo presos e de novo o primogénito foi enviado para Benguela. Mais tarde, por intervenção do Almirante inglês instalado em Santa Helena, Dike é enviado preso para Inglaterra e o Reino Unido reclama que lhe sejam entregues os prisioneiros, pois teriam direito à proteção da bandeira britânica. O governador acatou os pedidos imperiosos do Almirante inglês e entregou-lhe os prisioneiros. Em qualquer das versões se vê, por estas curtas notas biográficas, estar Jozé Bento (Travassos) Valdez bastante ligado a Angola, uma década depois da saída do livro em Bruxelas (um dos irmãos de Jozé Bento Valdez era diplomata, por coincidência (Jardim, 2011)).

O exemplar em causa, com a assinatura deste ilustre militar (ele fez carreira militar), tem os carimbos da “Biblioteca Municipal de Loanda” na folha de rosto e na última página (722). É, portanto, bastante provável que o poeta negro do Quanza e alguns seus colegas, angolenses ou residentes, tenham lido o poema épico D. Juan de Byron (1821), bem como várias outras peças.

Em Benguela precisamente – a terra de exílio de Jozé Bento Valdez – num espólio de 1856, encontra-se, como já referi, uma “Vida de Lord Byron” sem indicação de autor, que nos alia ao interesse dos jovens brasileiros de então sobre a biografia do poeta.

Lord Byron teve realmente uma biografia acidentada e aventureira, em parte da qual algumas personagens da Angola desse tempo certamente se reveriam (Arsénio de Carpo, Maia Ferreira). Neste quadro, ele fez o contraponto à moralidade piedosa e à hipocrisia social que, de resto, combatia igualmente nos seus escritos. O cinismo british (recordem-se os famosos “Versos inscritos numa taça feita de um crânio”), a ironia ao mesmo tempo fina e mordaz, atiçavam o leitor contra as convenções dominantes, acompanhando o byronismo. O escritor fê-lo em nome da paixão, da veemência, da naturalidade, de valores românticos que, tal como em vários outros exemplos, acompanhavam uma biografia apaixonada, donjuanesca e ela própria veemente. A denúncia pelo burlesco, a par do pessimismo romântico e do autobiografismo das obras, também lhe deve ter valido bons leitores nestes mercados-limite do grande sistema comercial euro-americano. A deriva dentro e fora da Europa cristã, ou central, sobretudo pelo ‘fora’, preenchia a sede romântica do exótico e dava aos angolenses e residentes um espaço mais próximo do seu.

O estudo biográfico mais acima referido aponta que Lord Byron veio ao mundo em Londres, na Holles Street, a 22 de Janeiro de 1788 e teve o nome de baptismo George-Gordon Byron, passando mais tarde a Lord Byron de Rochdale, no condado de Lancaster. O volume inclui cartas do poeta à sua mãe, cartas que dão conta da errância pelo mundo, retratam personagens dos vários países por onde passa (ou residentes aí), formando um núcleo autobiográfico e narrativo muito forte.

Entre as peripécias biográficas ressalta sem dúvida a luta pela independência da Grécia, de que dão conta peças como The Giaour [infiel, estrangeiro], a fragment of a turkish tale (a primeira edição na primeira metade de 1813; só teríamos uma versão completa na segunda, terminada nesse mesmo ano). Recordo-me em particular de uma passagem inicial, após a magnífica descrição da costa grega, quando o poeta conclama o degradado povo a honrar a memória dos ancestrais e levantar-se contra a opressão. Fá-lo apaixonadamente e, de certo, o tom com que o faz, a veemência com que reclama o retorno à glória, o renascimento dessa pátria e desse povo, terão inflamado aqueles que, em Angola, sonhavam já com a independência, bem como (numa direção divergente) portugueses revoltados. O conto reforçou também o culto romântico do amor, retratando a paixão inconveniente e fatal de Leila por um estrangeiro cristão.

A mesma junção do mito romântico do Amor, da exaltação épica da guerra (de cristãos contra muçulmanos e de gregos contra turcos) e da morte que ambas as exaltações purifica, vertida agora em verso clássico (ou neoclássico), marca levemente um dos episódios mais românticos de O cerco de Corinto. Como disse, a obra encontra-se nas fontes consultadas, concretamente no Recife e é provável que na tradução portuguesa de Henrique d’Almeida Coutinho. Certos traços de personalidade aplicados a mais do que uma personagem evocam passagens conhecidas da vida do autor como, neste caso, a de Veneza. A trágica morte dos amantes e dos heróis constrói uma intriga facilitada e quase piegas, bem ao gosto das novelas da época. Sem dúvida que essa fraqueza ajudou a popularizar a peça e a piorar a escrita literária de alguns candidatos a poetas. Incluído nas obras completas ou não, O cerco de Corinto em Angola foi também lido…  


Anúncios em torno das obras de Walter Scott (portanto escocês) repetem-se, de número para número, no Diário de Pernambuco, tornando-o num verdadeiro campeão de vendas na zona de Recife-Olinda, mas estranhamente só entre 1840 e 1845 (no que diz respeito ao período estudado). No Jornal do Commércio aparece também o seu nome várias vezes, incluindo por exemplo em 24.3.1830 (as Oeuvres). Estava à cabeça dos novelistas do seu tempo (Bruno, 1886 p. 19; Cunha, 1979 p. 54), mesmo nos sertões tropicais, tão longe da Escócia natal. Em Benguela, no espólio de 1855, encontramos referência aos títulos seguintes: “Talismã, ou Ricardo na Palestina”, “Quintino Durward”, “Formosa Donzela de Parth” (provavelmente Perth – nome da cidade escocesa que o inspirou), A desposada de Summermoor (por erro: é Lammermoor) e A Dama do Lago. Todas elas podiam ter sido lidas em tradução brasileira ou portuguesa; qualquer das edições portuguesas estava também em circulação no Brasil durante o século XIX (Vasconcelos). Todas elas foram registadas também em Bibliotecas e Livrarias do Rio de Janeiro na época por mim pesquisada (Vasconcelos). Em Luanda, na antiga Biblioteca Municipal, encontra-se ainda A dama do Lago, certamente fitando o Kinaxixe.

Junto com Walter Scott, vinha o estímulo ao sentimento patriótico ou separatista que as suas novelas constituíram, não só na Grã-Bretanha. A sua influência literária e política estendia-se para o mundo francófono, tendo marcado V. Hugo (Han de Island e Notre Dame de Paris), Alexandre Dumas (pai, em Henri IV et sa cour, de 1829, que li assim mas deve tratar-se da peça dramática Henri III et sa cour, “drama histórico em cinco actos e em prosa” representado a 11.2.1829 no Théâtre-Français (Pires, 1979 p. 25) e publicado numa antologia de peças – Théatre français moderne – no mesmo ano). Alastrou também na hispanografia, onde um novelista popular (D. Wenceslau Ayguals d’Isco, Alcaide de Vinaroz no reino de Valência) sofre a sua influência (Pires, 1979 p. 28). Esta popularidade cobria todo o espaço lusófono e coroava-se no trono do imperador do Brasil D. Pedro II. Sampaio Bruno diz que o conjunto do romance histórico do primeiro romantismo português sofrera a influência de Walter Scott e Maria Laura Bettencourt Pires encontra, de formas diversas, a sua presença nos periódicos portugueses no período romântico, desde O panorama até ao Cosmorama literário, em textos que passam por Garrett (Pires, 1979 pp. 61-69) e Alexandre Herculano (Pires, 1979 pp. 75-82). Segundo a sua investigação (Pires, 1979 p. 40),
De cerca de setenta periódicos consultados, quarenta […] tinham artigos e referências a Scott e aos seus romances e poemas, ou citações e críticas às traduções das novelas ou, ainda, artigos em que se nota influência direta do escritor escocês.
O mesmo se dava no Brasil e, por exemplo, José de Alencar confessa que, na sequência das inspirações recebidas durante as viagens de barco, “devorei os romances marítimos de Walter Scott […] um após outro”.

As traduções portuguesas de Walter Scott terão começado em 1835 (Pires, 1979 p. 44) e várias delas apareceram nos anúncios do Diário de Pernambuco. Mas o Brasil teve o seu grande tradutor de Scott na extraordinária figura de Caetano Lopes de Moura (1780-1860), embora vivendo e publicando na Europa. Lopes de Moura já em 1831 (segundo Sheila Hue e Isadora Maleval, baseadas em A. Gonçalves Rodrigues, em 1837) via sair, em Paris, Os puritanos da Escócia pela J. P. Aillaud - o próprio editor um tanto lusógrafo também, visto que era filho de uma portuguesa. A data é a que está na referência dos livros digitalizados (infelizmente este não disponibilizado) pela google, mas é um facto que não encontrei nenhuma referência a esta edição nos anúncios pesquisados. Ainda assim, as suas traduções é possível que estivessem na origem do apoio que D. Pedro II lhe veio a dar e que lhe foi muito proveitoso, o que demonstra a qualidade delas para a época, mas também a fixação da corte carioca nas narrativas do escritor escocês. Na Revista universal lisbonense (a capa indica só Revista universal), no número 2 (7.10.1841), A. F. Castilho recomenda as traduções de Ivanhoé (anunciado no Recife em 1840) e Quintino Durward (títulos constantes em dois espólios benguelenses – um de 1855, outro de 1873), “versões do Sr. André Joaquim Ramalho de Souza”, com edições de 1838 e 1839 (Castilho, 1841)

A tradução de Kenilworth, que o mesmo "Sr." preparava, anunciava-se no prelo a 18 de Novembro (Anónimo, 1841) e vem a constar dos catálogos do Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro e do Maranhão, bem como da Biblioteca Fluminense. E uma Vida de Walter Scott, numa nova edição em um volume, foi anunciada no final de 1841 na mesma revista (Anónimo, 1841).

Não por acaso José de Alencar escreve O guarany e outros romances históricos indianistas sob a influência do escocês (entre outras, naturalmente). José Maria da Costa e Silva, poeta de transição para o Romantismo, cujos livros ainda hoje se conservam no Gabinete Português de Leitura do Recife, inclui nas suas obras o "romance" Emília e Leonido ou os amantes suevos (Silva, 1836). Como o autor confessa (Silva, 1836, p. 3),
a idéa do presente Romance me foi sugerida pela Balada Escocesa, de que mais adiante imprimo tradução, inserida no canto IV da Dama do Lago por Sir Walter Scott.
N’A assembleia literária de D.ª Antónia Gertrudes Püsich, em 1849, transcrevem-se narrativas dele (“contos biográficos e literários”), como por exemplo a «Lenda do Santo Oran». A própria escritora terá composto um poema “em cinco cantos”, intitulado Olinda ou a abadia de Cumnor-Place (de que existe um exemplar no Gabinete Português de Leitura do Recife (Pusich, 1848)). O poema é dado por Maria Laura Bettencourt Pires como “tipicamente «gótico» e a autora limitou-se a fazer atuar alguns personagens de Kenilworth”. A esse propósito são de notar as diferenças assinaladas pela estudiosa portuguesa, nomeadamente no que diz respeito aos “traços nitidamente «negros», com a aparição de um espetro e uma casa assombrada, e que não apresenta a menor caraterística histórica” (Pires, 1979 p. 67). Isto não deixa de ser curioso, lembrando-nos nós da força desses traços na cultura cabo-verdiana, a que a autora parcialmente pertencia, e da desterritorialização de que falei a propósito de Maia Ferreira.

Mas o que temos aí, verdade seja dita, é ainda uma transposição das paisagens escocesas para a língua portuguesa. Sem dúvida nos interessa mais o trabalho de José de Alencar, porque parece adotar a estrutura e função do romance histórico de Walter Scott transpondo-a para os anseios e a paisagem do seu Brasil. Apropria, portanto, Walter Scott – em vez de simplesmente o trazer para a língua portuguesa.  


O romantismo inglês, no mercado pernambucano, carioca, maranhense e penso que no angolano também, esteve mais presente pelas novelas (como o francês pelo teatro e pelas novelas também) do que pelos poetas. Razão pela qual o trato em comum com elas. A popularidade de Walter Scott floresce sobre um terreno fértil de novelas anteriores e contemporâneas, que prepararam o público para as suas e para o próprio Romantismo.  

Geralmente mal consideradas – numa tradição crítica que vinha já do período helénico da cultura mediterrânica – as novelas, desde pelo menos o século XVIII até bem dentro do Romantismo, desempenharam um papel fundamental no meio literário, cultural, político e social. Em primeiro lugar, o serem tão populares tornava-as em veículos poderosos para divulgação e propagação de valores, ideias e para a formação de lugares-comuns estruturantes. Em segundo lugar porque muitas delas estavam bem escritas, usavam com arte e subtileza os artifícios próprios da narrativa (erudita e popular) e as armas da retórica. Em terceiro lugar porque, entre as ideias e valores que popularizaram, havia sugestões políticas e sociais avançadas, que vieram a explodir e a tentar realizar-se a partir da Revolução Francesa do fim desse mesmo século XVIII. Em quarto lugar porque elas formataram, mais do que se pensa, os primeiros tentames literários de vários escritores do século XIX, como por exemplo José de Alencar no Brasil (Alencar, 1893 pp. 10, 16), que muitos anos militou no mesmo Partido Conservador de Eusébio de Queiroz Coutinho Mattoso da Câmara, o famoso primo de Maia Ferreira. No fim de tudo e em última análise, talvez esta proliferação de novelas tivesse também reforçado a proliferação das baladas e outras espécies narrativas em verso praticadas largamente pelos líricos românticos. Entre tais líricos incluímos o nosso Maia Ferreira, com nítida influência novelística e, até, nórdica e gótica – por exemplo na «Revelação de um sonho», texto no qual, pela primeira vez, aparece o espectro angélico e fatal da bela Carlinda (Ferreira, 1849 p. 20ss).

Embora tenha seguido até aqui uma progressão cronológica, na medida em que os autores foram sendo arrumados por épocas, correspondendo a cada época uma visão e uma prática literárias dominantes (a dos clássicos, dos neoclássicos, dos românticos), uma vez que a novela se autonomizou relativamente aos quadros temporais e atravessou todo o século XIX quase imperturbável, altero agora esta linha de leitura, pois acho que devo tratar das novelas sem olhar ao eixo cronológico, ou melhor, considerando que esse eixo de estica demasiado no seu caso. Tendo ganho com o Romantismo (simultaneamente com o triunfo da burguesia liberal) um ritmo de produção e consumo extraordinário, a novela manteve leitores até ao século XX e ainda neste, quando as fotonovelas italianas e espanholas e as telenovelas brasileiras, venezuelanas, mexicanas, portuguesas, angolanas, etc., passaram a substituir o suporte escrito.

Claro que há diferenças entre todas essas novelas. Mas a maior diferença não se relaciona diretamente com aspetos cronológicos ou de escola. A maior diferença é que alguns autores escreveram novelas com apurado sentido estético e moral, enquanto outros pareciam perseguir apenas o objetivo de satisfazer o mercado imediato. Ora, isso tornou-se mais comum depois do Romantismo, porque foi consequência da substituição do Mecenas pelo Mercado, processo já como tal discutido por Alexandre Herculano na polémica travada em torno dos direitos de autor. A perversidade está em que o predomínio do específico é fatal para a arte, como disse Hegel na Estética

As novelas de Walter Scott estão provavelmente na transição entre os dois casos. Obras artísticas de qualidade universal, não deixaram também de ser escritas em função de públicos e referências específicos, embora vastos – pelo menos a partir de certo grau de popularidade (Bakhtin, 2003 pp. 257-258).

O seu primeiro romance (Waverley) veio a público em 1816. As suas obras enchiam as bibliotecas privadas das décadas de 1850 a 1870, juntamente com V. Hugo, Sue, Balzac, Alexandre Dumas – todos lidos em Luanda e, pelo menos alguns, em Benguela também. Era por isso que os ficcionistas em prosa, brasileiros, do século XIX, o citavam. As cavalhadas que viva e ironicamente representa Ariano Suassuna no Romance da Pedra do Reino, ainda que tendo origem mais remota (no ciclo arturiano também), sairiam reforçadas por estas leituras, tal como a própria literatura de cordel (v., por exemplo, Leandro Gomes de Barros).

Walter Scott estimulava sentimentos nacionalistas, separatistas (Teófilo Braga), tradicionalistas e medievalistas (Sampaio Bruno), que dominavam a sensibilidade cultural e política da maioria dos românticos. Considerado, ainda em 1871, o “mestre dos mestres” (Garrido, 1871 p. 55), principalmente no ambiente castilhista que tanto nos marcou, também no estudo da literatura angolana a sua obra se tornara incontornável.

Os títulos de novelas, do escritor escocês e de muitos outros (muitas vezes outras), eram tantos e alguns tão repetidos que fui deixando de anotá-los, ou não teria terminado a pesquisa. Participando efusiva e prolificamente no crescimento da narrativa em prosa, que levará mais tarde à conotação canónica entre o género (narrativo) e a modalidade (em prosa), um público feminino, mas não só, grande parte do público ‘elegante’ sustentava as levas de novelas que vinham já da segunda metade do século XVIII. Alguns autores como Walter Scott, que foi importante na formação romântica de Garrett e de muitos contemporâneos, hoje são largamente estudados. Outros talvez menos – e seria o caso de D. Wenceslau Ayguals d’Isco (n. 1801), para citar outro escritor influenciado por Walter Scott, que ao mestre foi comparado por Eugéne Sue enquanto era vendido nestas paragens tropicais.


Foi também o caso de Paul de Kock (no que diz respeito a ser menos estudado). As suas ficções, escritas numa prosa demasiado económica, muito incisiva mas mais próxima de Eutrópio do que de Júlio César, não sei até que ponto podem ser consideradas literárias. Em parte, a sua vivacidade se deve à ausência do narrador: a narrativa sai tão recheada por vezes com diálogos que há páginas que parecem de peças de teatro. Creio que por isso mesmo foi muito lida em Benguela, porque o espólio de 1855 cujo inventário tanto refiro tinha muitas obras de Paul de Kock. É sintomático isso, porque um dos traços recorrentes em escritores benguelenses prende-se, precisamente, com uma linguagem muito enxuta, rarefeita quanto a adjectivos, metáforas e prolixidades. Entre nós a adjetivação desempenha um papel preciso mas pontual, a descrição e as falas são pouco dadas a metáforas, de um realismo chão que afeta ainda a narrativa de Pepetela (ao contrário do que sucede, por exemplo, com Luandino Vieira), um realismo que reconhece o vento mais pela poeira do que pela nuvem, dificilmente se desdobrando além da exata nomeação dos objectos e da menção direta às ações. E, no entanto, algumas vezes essa maneira árida, seca, enxuta, produziu obras de arte… - o que nem sempre terá acontecido com Paul de Kock.

Note-se que, no Recife, não encontrei referência às obras do novelista – embora acredite que também lá tenham sido lidas, mas não devem ter sido nem procuradas nem muito vendidas. Uma novela sua (Kock, 1843) foi publicada no Rio de Janeiro quando Maia Ferreira tinha 16 anos. Em Luanda, há referência a um dos títulos de Kock na Biblioteca do Governo Provincial de Luanda.


Entre outros títulos de novelas e de obras figuravam A ilha incógnita[2] e Robinson Crusoe, de Daniel Defoe (1660-1731)[3].

A ilha incógnita ou Memórias do Cavalheiro de Gastinesem francês e publicadas por Mr. Grivel (o verdadeiro autor), foi traduzida em português e impressa na “Régia Officina Typ.ª”, em seis volumes, no ano de 1802. Não compulsei este exemplar, que seria talvez a tradução de uma edição francesa, em seis volumes também (Paris: Bossanger, 1793-95), ou da original, igualmente em seis volumes (Paris: Moutard, 1783-1785). Segundo Luiz Carlos Villalta, que lhe comenta o volume III, o romance é uma espécie de versão familiar de Robinson Crusoe (Villalta, sd p. 109). O professor da UFMG faz eco de uma acusação antiga, já reportada no princípio do «Avertissement» dos editores de uma edição popular de 1787 (Grivel p. VII)[4]. O livro tem uma componente pedagógica forte e moderna (segundo os editores citados, o autor tinha publicado uma Teoria da educação (Grivel p. XII)), pelo que a sua presença entre nós, a confirmar-se, não deve só incluir-se num conjunto de narrativas novelosas, mas também no das obras instrutivas, formadoras de personalidade e transmissoras de saberes formais.

Esta componente pedagógica parece-me animada por uma proposta política e social subjacente: usando-se o artifício de uma família sozinha numa ilha; conforme a família vai crescendo vamos experimentando o processo de formação de uma sociedade útil, organizada, proba, trabalhadora e honesta. Forma-se a partir de um modelo de ensino, que é seguido pelo pai relativamente aos filhos e que aponta para o modelo dominante entre os iluministas, na lusofonia representado (mal, a meu ver) pelo Verdadeiro método de estudar, de Verney. Mas um modelo muito completo, que vai tocar quase tudo, incluindo a divisão do trabalho. Temos, portanto, na Ilha incógnita a construção de uma utopia também – e também uma utopia pedagógica.


Quanto à narrativa de Daniel Deföe (13.9.1660 – 24.4.1731), ela foi publicada em 1719 (o primeiro ano do período áureo de produção do autor, que termina em 1724). Nesse período o escritor nos legou títulos como Capitão Singleton, Um diário do ano da peste, Coronel Jack e Os segredos de Lady Roxana. Robinson Crusoe, a mais famosa das suas obras, ainda preencheu a minha e nossa imaginação de adolescentes. No Brasil, entrou na banda desenhada e na poesia de Drumond (Orlando, 2012). De resto, quando passou para o cinema, depois para o DVD, ganhou fôlego novo, que traz a obra a gerações mais recentes que a minha.

Apesar da data recuada, a narrativa de Deföe foi fundamental para o avanço da mentalidade moderna em todo o mundo, possuindo claro intuito pedagógico também. Defoe é, de resto, autor muito sugestivo nestes aspetos e talvez o predecessor das melhores novelas do século XVIII e do princípio do seguinte, bem como das narrativas fantásticas, que aparentemente ia buscar a vozes populares. As venturas e desventuras da famosa Moll Flanders, que não surgem nas nossas fontes, são muito ilustrativas a respeito das estruturas labirínticas da novelística posterior. Elas, além do realismo crú com que retratam a sociedade britânica abaixo do nível da grande nobreza, expõem-nos desde uma arte de amar e cativar até à busca por autonomia e sobrevivência de uma mulher enquanto tal e como a razoabilidade das suas decisões, impostas pelas circunstâncias, a leva naturalmente a comportamentos imorais ou mal vistos na época, tanto quanto novas circunstâncias favoráreis podem converter as pessoas, pelas mãos e os frutos, a uma conduta moralmente saudável.

Mas a obra de Deföe que líamos era o famoso Robinson Crusoe, que tem até qualquer coisa de romance de tese (ou não fosse ele empenhado politicamente também). Trata-se, como dizia, de uma narrativa avançada para o tempo. Em primeiro lugar porque “se constitui de forma paradoxal […] como elogio ao progresso, com ideais individualistas”; em segundo lugar porque, em certas passagens, é possível entendermos no texto, pelo menos, a compreensão da justeza de uma crítica ao colonialismo (Júnior, 2012 p. 72). Além disso – e paradoxalmente ainda – dá corpo ao mítico pioneirismo colonial ou exótico, no qual se fundarão muitas outras obras, até mesmo Paulo e Virgínia. Era, portanto, uma narrativa que podia satisfazer os leitores coloniais e os filhos da terra, embora por motivos diversos, em épocas posteriores.

Como lembra Cesare Pavese, num texto muito bem escrito (que serviu de prefácio à edição da Einaudi de 1938), todas as narrativas de Deföe se assemelham quanto às personagens: “filhos de mercadores ricos ou pobres órfãos das prisões, todos enfrentam uma vida em que a dureza do acaso cotidiano só é comparável a sua incansável obstinação; e as desolações repisadas e quase bíblicas em que se encontram, desnudos e desamparados diante do mundo e de Deus, tomam a figura de pausas trágicas de onde sua força sairá intacta e até fortalecida. São essencialmente solitários, esses indivíduos.” (Deföe, 2015)

As duas obras (Robinson Crusöe e Moll Flanders), curiosamente, reportam viagens marítimas, travessias para ‘o outro lado’ ou continente e eram procuradas pelo comandante de um “brigue”, bem como as viagens de Altina (de Luiz Caetano Altina de Campos, livro com interesse político e social apesar de ‘noveloso’)[5], “Joaninha ou a engeitada numerosa” (em dois volumes)[6], as Cartas amorosas de uma peruviana[7], “Luiza ou a cabana”[8], a “Mulher Feliz”[9] e uma “escolha das melhores novelas”, a emparelhar com Adriana[10], Alberto[11], a Orfã inglesa[12] e a “Condessa de Aulnoy” (dela anunciava, em 1825, a Gazeta de Lisboa, a História de Hipólito, conde de Duglas – mas dizendo que se tratava de uma tradução para português da obra em francês da Madame d’Aulnay[13]).

É claro que se vendiam mais novelas e romances e nem todas cumpriam objetivos pedagógicos. Em comum há, sim, muitas narrativas de personagem: Etelvina [14], Corina (eventualmente uma autobiografiade M. de Stäel - o que Benjamin Constant refuta - cujo título vem do nome de uma poetisa da Boécia do fim do período alexandrino (Guerrero, 1998, p. 34), Ourika, Celestina [15] (que fazia parte das leituras de infância de José de Alencar (Aloencar, 1893)), "Zaira ou um caso extraordinario" (vendia-se, por exemplo, em segunda mão, numa "loja de fazendas" da "Rua Direita" do Recife [16], a "novela saboyarda" Claudina (i8ncluída numa tradução das "Novelas novas escritas em francês por M. Florian [17], a venerável História da donzela Teodora ("em que se trata de sua grande formosura e sabedoria" [18], a não menos venerável "Historia de João de Calais", a "inocente victima de um crime", a infeliz Leocádia [19], Roxelane feliz [20], Amanda e Óscar (outra das obras da infância de José de Aloencar (Alencar, 1893, p. 8)), Talisman ou Ricardo na Palestina [21] "por Sir Walter Scott", tudo misturado mas todas ficções em torno de um(a) protagonista. Entre outras fontes, o leitor pode fazer uma ideia desse ambiente 'noveloso' espreitando a completa listagem reunida por A. Gonçalves Rodrigues na separata A novelística estrangeira em versão portuguesa no período pré-romântico (Rodrigues, 1951) e, já agora, lendo bem a sua introdução. 

Entre tantos títulos feitos com nomes de personagens, é de realçar um que, até à data, infelizmente, não me surgiu nas fontes angolanas mas se vendia no Rio de Janeiro, pelo menos em 1830: Ourika. Victor Hugo, num dos resumos cronológicos de Les misérables, refere a leitura inicial da obra em 1817:

La duchesse de Duras lisait à trois ou quatre amis, dans son boudoir meublé d’X en satin bleu ciel, Ourika inédite.
(Hugo, 1862 p. 154)

O título foi publicado em 1823 pela Duquesa Claire Duford Duras, amiga de Chateaubriand e de Mme de Staël. Ele marcou o início de várias séries literárias a partir de então, sobretudo exploradas algumas delas apenas no século XX: foi o primeiro romance contado pela voz de uma protagonista negra; o primeiro romance (ou novela) contando a história de uma ex-escrava africana; o primeiro romance (ou novela) escrito por uma mente europeia tentando colocar-se no lugar de uma mente africana; a primeira ficção colocando objectivamente o problema da discriminação racial na Europa (recordemos que, décadas mais tarde, quando Alexandre Dumas fez isso foi tido por ousado). Talvez por isso tudo impressionou vivamente Goethe. Ourika era o nome de uma escrava senegalesa libertada e trazida para França por uma família nobre (ela foi inicialmente trazida como presente para a Duquesa de Beauveau). Essa família, dadas as qualidades da escrava, colocou-a num bom colégio de religiosas para ser educada em moldes europeus e é aí que ela vai sentir o peso da discriminação racial e perceber que a educação e as boas leituras não bastam para tornar as pessoas iguais. A estória ganha mais força ainda porque se baseia numa história real. Infelizmente, como disse, não tenho segura notícia da sua circulação nos nossos pequenos mercados, mas é de crer que tenha circulado por cá, uma vez sendo vendida abertamente no Rio de Janeiro e, mais, anunciada nas páginas do Jornal do comércio (por curiosidade, custava 1700 réis).

A mistura novelosa era bem maior: havia muitas “novelas sentimentais”, como as do já citado “D. Wencesláo Ayguals d’Izco”, trazidas ao português por coleções de “bibliotecas populares”; havia “novelas lírico-religiosas” (classificação de Eça de Queiroz para as do Visconde d’Arlincourt), além disso falsas e fictícias (e lidas em Benguela, como no Rio de Janeiro (Alencar, 1893 p. 17)). Lembra Gonçalves Rodrigues, havia também a novela picaresca, a cervantina, o “romance filosófico, sentimental, epistolar ou histórico”; o investigador e professor acrescentava ainda o ‘romance negro’, o de viagens, o conto oriental. A nomeação de Gonçalves Rodrigues é, por vezes, pouco precisa mas, lendo a bibliografia de que fala, percebemos perfeitamente ao que se refere, apesar das muitas intersecções em que entra a maioria dos conteúdos. A mistura de quadros, paisagens, tipos, enquadramentos, géneros, modelos é muito grande no interior das obras – o que também, por seu lado, deve ter contribuído para a lenta libertação face às normas genológicas e aos cânones periodológicos a que assistimos explicitamente desde a eclosão do Romantismo. A mistura vinha de dentro das ‘novelas’ para todo o mercado que as absorvia. Por isso podemos encontrar, como já referi, juntos (e possivelmente lidos pela mesma pessoa), “D. Quixote de braço dado com Werther, Robinson com Adolfo, Sheherazade com o Último Moícano” (Rodrigues, 1951). A amostra é significativa, mesmo pela mescla que realiza e que nos mostra um dos motivos que levou alguns destes títulos a ficarem esquecidos na classe vagamente definida dos “livros de senhoras”. O mais importante talvez fosse, para ajudar a rasgar os horizontes na época, a consciência de mundo (ou de mundos) que toda essa diversidade implicava.

Já falei em Ourika. Agora permitam-me destacar outras obras, para além dos dois primeiros títulos (A ilha incógnita e Robinson Crusoé) – ambos ainda fáceis de ler ou reconhecer por parte de muitos leitores. Começo pelas Cartas amorosas de uma peruviana, ou peruana, escrita pela Senhora de Graffigny, Françoise d’Issembourg d’Happoncourt (1695-1758). Há uma tradução, do francês, feita por “uma senhora” talvez lisboeta (d'Happoncourt, 1802); uma segunda tradução, também do francês, é de 1828 (d’Happoncourt, 1828). Foram anunciadas no Rio de Janeiro entre 1812 e 1843, pelo menos (Mançano, 2010 pp. 71, 278).

O romance-novela – que, sob aparência epistolar, funciona quase como diário, portanto sugerindo intimidade – teve importância na mudança de mentalidades da época relativamente aos papéis da mulher e da paixão na vida social – que também retrata. Por esse motivo, aliás, veio a ser recuperado nos anos 60, 80 e 90 do século XX, principalmente pelas vagas feministas. O Correio brasiliense disse, no seu tempo, que a obra “é muito útil contra o sistema da impiedade” (Dez.º 1814, p. 716) – e esse é outro aspeto a considerar. Partamos, no entanto, de uma visão de conjunto e comecemos pelo que da sua biografia pode relevar para a leitura das Cartas.

Em primeiro lugar a importância lhe vem de ter sido um campeão de vendas na segunda metade do século XVIII e na primeira do seguinte. Razão pela qual acredito que foi lida entre nós, embora até à data ainda não tenha uma prova documental de que foi lida a novela em Angola. A própria autora foi autora de sucesso com mais obras (em particular a comédia Cénie) e escreveu literatura infantil para a corte de Viena.

Nessa altura já se tinha divorciado de François Hugues, senhor de Graffigny e camareiro do Duque de Lorraine, com quem casara ainda jovem (casamentos de família) e que a maltratava, sendo viciado em jogo e bebidas alcoólicas, pelo que a deixou na miséria quando morreu. Os filhos do casal morreram antes ainda de se consumar o divórcio, de modo que terá ficado apenas uma recordação muito amarga desses dias.

Françoise conheceu Voltaire (um ano mais velho), pela mão de quem viveu dois meses (depois de se separar e da morte dos pais e do ex-marido) em casa da Marquesa de Châtelet (a famosa matemática e física de quem Voltaire foi amante). Injustamente, calcula-se, acusaram-na de lhe desviar uma cópia de La pucelle, pelo que teve de fugir para Paris, onde viveu algum tempo de expedientes e do apoio de amigos. A sua casa tornou-se mais tarde um cenáculo onde se reuniam nobres, políticos, pensadores e escritores, incluindo D’Alembert, Montesquieu, Fontenelle, La Harpe (Anónimo; Dewey, 2011). Anos após a publicação das suas obras completas (1788), as suas cartas vieram a lume sob o título Vie privée de Voltaire et de Madame du Châtelet. A edição é já de 1820 (portanto anterior em oito anos à tradução das Cartas de huma peruviana por uma “senhora” portuguesa), havendo uma reedição, com biografia, de 1879. Isso demonstra-nos o interesse que manteve, para o público do século que estamos a investigar.

A recuperação das Cartas e da sua autora, desde os anos 60 do século passado até hoje, foi entusiástica e trouxe-nos muitas leituras, sob vários prismas, alguns dos quais não possuem qualquer interesse para este estudo. Mas é um traço comum o da surpresa, quase estupefação, perante a originalidade do tema, da estrutura, face à ousadia precoce das ideias e das críticas, tudo aspetos que tornam realmente Françoise de Graffigny uma escritora moderna.

Para nós ela tem um interesse maior ainda pela crítica às guerras de invasão e de colonização dos novos mundos, tão elogiadas durante tanto tempo. Tenta, em certos momentos, diferenciar a crueldade bárbara dos espanhóis da sensibilidade e elegância fina dos franceses. Mas a sua narrativa sublinha traços de idealização e mitificação das civilizações destruídas que vão servir ainda a retórica nacionalista e independentista na segunda metade do século XX, mesmo contra a França. Leia-se, por exemplo, a nota que a autora coloca na p. 79 da edição disponível em linha:

* Les terres se cultivoient en comun au Perou, & les jours de ce travail étoient des jours de réjouissances.

Dessa mitificação vive a parte inicial da novela, para garantir a tensão dramática no contraste com os acontecimentos posteriores. Da mítica era pré-colombiana deriva também um amor ideal, perfeito, entre um príncipe e a sua prometida, que se sente na obrigação de o amar até ao fim da vida. A abrupta e brutal entrada em cena de Pizarro e seus companheiros quebra todo o espelho de perfeição a que o éden inca serve de fundo. Não é propriamente o mito romântico da paixão fatal que vigora nessa relação entre príncipes. A paixão fatal está presente, no livro, pelo sentimento avassalador que vai votar à bela princesa peruana um nobre francês, que a resgata, que a leva para outra civilização tão digna dela quanto a inca (a francesa, claro). Entre os príncipes incas é a fidelidade ao compromisso nupcial assumido nesse mundo perfeito que vai multiplicando a tensão dramática perante o aparecimento de outra paixão (esta, sim, romântica, a do fidalgo francês) e desta segunda vive todo o resto da novela, ainda que ela nunca possa suplantar a primeira – e mesmo por isso. O prometido, porém, se é que não se limitou a uma armadilha o breve reatar de contactos entre ele e ela, o príncipe noivo adaptou-se às novas condições impostas pelo colonizador (em Espanha) e a noiva também se conformou quando teve notícias disso. O pacto amoroso manteve-se por parte dela, porque representava o próprio mundo perdido, espezinhado, a única sobrevivência desse mundo: sendo fiel ao pacto ela estava ainda naquele mundo, mantinha a sua identidade. No fim, desiludida, só lhe restava igualmente adaptar-se, aceitar a bela casa que lhe deram, as condições necessárias para viver com dignidade. Portanto vemos ali, mais do que um suposto mito romântico inicial e precoce, o desfazer da máscara que esse mito constituía e a ultrapassagem, avant la lettre, do romantismo amoroso. Duas antecipações em vez de uma. Lendo, no entanto, a obra os leitores irão perceber que ela tem mais ainda para nos dizer.




Emparceirava com essas antecipações Paulo e Virgínia: história fundada em factos (como se transcreve na tradução de 1807). O livro destacava-se pela popularidade, logo mencionada na edição por subscrição que o seu autor promoveu. E logo aí ele refere várias traduções, em geral feitas por mulheres, às quais agradece e que repetidamente elogia como as grandes transformadoras do mundo. Em português há, pelo menos, as de 1807, 1811, 1818, 1823, 1834 – para citar o período inicial e de transição para o romantismo lusógrafo. O livro anunciou-se no Recife, pelo menos, em 1837 e 1840, e no Riof de Janeiro, pelo menos entre 1808 (Neves, et al., 2018 p. 91) e 1843, datando de 1811 a impressão da estória na Imprensa Régia do Rio de Janeiro e havendo pelo menos uma reedição em 1841 (Saint-Pierre, 1841). É de crer que circulasse em todo o espaço lusófono (também fazia parte da “livraria” de Antero de Quental um exemplar da edição de 1836 (Fraga, et al., 1991 p. 25)), apesar do achincalhamento do autor por figuras como Voltaire, que de resto Saint-Pierre criticara (embora moderadamente, por mais estranho que pareça para a sua personalidade). Aliás o achincalhamento feito por Voltaire não pegou muito no espaço lusófono e uma figura tutelar como Garrett aconselhava os brasileiros a lerem, entre outros, Bernardin de Saint-Pierre para terem modelos em que se inspirar ao construírem a poesia brasileira.


Para fazermos uma ideia africana da popularidade de Paulo e Virgínia, citemos um caso cabo-verdiano: José Osório de Oliveira, na introdução ao volume Literatura africana, refere que o ficcionista e médico Henrique Teixeira de Sousa conhecia uma estória, “narrada na Ilha do Fogo, que é a transplantação de Paulo e Virgínia” (Oliveira, 1962). Mais próximo de Angola (pelo menos na origem) estava Caetano da Costa Alegre, que em um dos seus poemas amorosos refere o romance:

VIRGÍNIA (Improviso a um pedido de versos)

Paulo e Virgínia foram dois amantes
Que morreram de amor, febricitantes,
E Paulo, de Virgínia foi cantor…
O autor do livro, Jacques-Henri Bernardin de Saint-Pierre (19.1.1737, Le Havre – 21.1.1814, Éragny ou Essone), de origens modestas, era um engenheiro militar (entre muitas outras coisas) e criador de uma “teoria dos mares”, autor de vários Études sur la nature (reunidos em volume também popular). Foi, segundo alguns, discípulo de Rousseau (o “eloquente Jean-Jacques”), ou terá emparceirado com ele, surgindo pouco depois. Mas mais próximo de nós que isso (e também mais longe), Bernardin de Saint-Pierre tinha uma biografia recheada de viagens e incidentes. Partiu para a Martinica aos 18 anos. Foi engenheiro militar em Dusseldorf (Prússia), capitão de artilharia em São Petersburgo (Rússia, por nomeação de Catarina II), combatente pela liberdade e pela independência na Polónia, regressando mais tarde a França, crítico sempre da escravatura e do racismo. Foi revolucionário, procurando aliar a velha e a nova França em Votos de um solitário. Parece ter levado uma vida de infortúnios, principalmente em razão do mau génio e da intolerância para com a falsidade humana. Na Polónia teve uma paixão violenta com uma princesa que decidiu mesmo fugir para ir viver com ele, acabando, porém, mal a relação. É todo o mito do amor romântico realizado em vida, o que sem dúvida aumentaria a auréola em torno do autor e, por arrastamento, da obra.

A natureza que refere na sua obra mais conhecida (Paulo e Virgínia) é a da exuberância tropical, para onde uma pobre família foi atirada. “Uma pobre família” muito peculiar: duas mães francesas (uma pobre, outra nobre), vítimas dos preconceitos de classe e dos azares da vida, vão criar ali, numa ilha tropical (a Maurícia), os seus filhos educando-os com a natureza luxuriante da nova colónia. O filho de uma chama-se Paul e a filha da nobre Virginie. Nesse ambiente ele pinta, como disse Villemain, “a felicidade da virtude e da inocência” (Pinheiro, 1872[?] p. 207) – a mesma da infância reportada por Maia Ferreira numa terra mais “adusta”, ou por Mamede de Sant’Anna e Palma para a infância de Cordeiro da Mata. E a virtude inocente, imbuída de tão efusiva paisagem e de um relativo isolamento, resulta naturalmente numa grande paixão entre os dois adolescentes. Uma paixão natural, que a oferta de poderosa herança de uma velha tia irá romper, levando Virgínia para França. O mal, num ambiente idílico e numa educação acordada à natureza, não vem da paixão propriamente, mas da ambição, da Europa, do dinheiro. Essa oferta da velha tia, caraterizada sempre como muito má, sem herdeiros nem companhia para a velhice, é que vai levar os dois jovens a fazer o seu rito de passagem para a idade adulta, na qual apanham os obstáculos das diferenças sociais e das maldades do mundo. Virgínia acaba por se revoltar e regressar aos seus, mas a tia manipula de tal forma os acontecimentos que ela regressa no tempo dos furacões e morre, à vista de Paulo, em naufrágio junto à costa (era já uma donzela: uma das causas da morte foi a de não querer ficar nua para se salvar). O fim parece escrito à pressa: morrem todos, um por um, a pouco e pouco, de desgosto claro, exceto o narrador que relata ao autor esta estória tropical. É um fim bem romântico, digno de um Frei Luís de Sousa que fosse menos preocupado com a suscetibilidade à morte.

Encontramos aqui, de resto, vários mitos em que os românticos se iriam rever. O afastamento em relação à Europa permitia aos europeus imaginar uma educação sem complexos de culpa, ou sentimentos de culpa, uma educação apenas pelo amor, em que as orações eram reduzidas ao convívio intenso com a natureza (como consagrariam mais tarde os versos de V. Hugo, num poema de que há uma já referida versão de Cândido Furtado) e à leitura episódica de episódios da Bíblia. Como diz explicitamente o livro, “a teologia” de Madame de La Tour “era toda em sentimento, como aquela da natureza, e sua moral toda em ação, como aquela do Evangelho” (Saint-Pierre, 1788 p. 96). O que veio a ser um mito romântico da religião da natureza, ou pela natureza, estava estampado neste quadro idílico e exótico, suscitado ainda pela crença rosseauniana no mito do bom selvagem.

O quadro inicial atira-nos logo para “Port Louis” (Saint-Pierre, 1788), capital colonial da ilha Maurícia (“Mauritius”). Ou seja: para um espaço extra-europeu, de âmbito colonial (neste caso, já no Oceano Índico, a Leste de Madagascar – portanto em rotas que por vezes incluíam o porto de Luanda). Mais ainda: com uma população que misturava pessoas da mais diversa proveniência. Ainda mais: incluindo escravos oriundos, muito provavelmente, de Angola.

Mas é afastado de Port Louis que fica o terreno onde crescerão as duas crianças. Afastado relativamente: a partir da elevação onde ficava se avistava toda a cidade. Ali se travaram de amizade as duas europeias que, assim, realizavam uma utopia social, uma vez que uma era nobre e outra plebeia, mas ambas ali viveram como iguais e livres. A utopia era quase socialista: viver livre, com propriedades e bens apenas indispensáveis e “servidores [só dois, casados] cheios de zelo e de afeição”. Viver, também, numa pura e sincera amizade que partilhava todos os bens (incluindo o casal de escravos). A realização da utopia tinha uma condição prévia, que certamente agradaria aos angolenses: que os seus filhos vivessem “longe dos cruéis preconceitos da Europa os prazeres do amor e o bem-estar da igualdade” (repare-se que não somente igualdade económica, mas igualdade entre os sexos).

O sair para fora da Europa era como sair para fora do mundo, gerando portanto uma u-topia, dando talvez início às utopias coloniais francesas (coloniais, ainda não colonialistas). O facto de as personagens principais serem de origens europeias exerce duas funções:
         1) mostrar que o mal não está no europeu, mas no estado mental da Europa, seguindo uma linha de pensamento rousseauniana (presente ainda na relação idílica dos jovens com a natureza, comparada explicitamente à de Eva e Adão antes do pecado original);
         2) sustentar a identificação do público-alvo com cada personagem (Virgínia era loira, de olhos azuis e lábios de coral, satisfazendo no geral o modelo de beleza feminina da vastíssima poesia europeia).

Apesar desta identificação, os filhos das europeias não são já europeus. Eles resultam do mundo mesclado no qual vivem, mesmo que isolados relativamente. O facto de um dos escravos, de nome Domingos, ter hipoteticamente vindo de Angola reaproxima a narrativa do nosso público novecentista, mas não só. Naquela pequena utopia, os escravos também podiam nomear lugares e fizeram-no, como os senhores, para recordar os sítios onde nasceram em África. Ora Domingos escolheu o topónimo Angola. O nome de Angola integrava, portanto, a memória familiar de Paulo e Virgínia. O que trazia mais implicações, apesar de, no início da narrativa, o autor atribuir a Domingos outra nacionalidade: “um yolof”.

A boa relação, familiar, entre escravos e senhoras trazia trocas culturais interessantes, nas quais se podiam projectar alguns angolenses das urbes coloniais. Por exemplo Virgínia, por vezes, “à maneira dos Negros, executava com Paulo uma pantomina.” Logo em seguida a herança cultural negra é considerada primária, mas isso vem reforçar a contaminação cultural e a universalidade da cultura “dos Negros”: “a pantomina é a primeira linguagem do homem; ela é conhecida por todas as nações; ela é tão natural e tão expressiva que as crianças dos Brancos não demoram a aprendê-la depois de verem os Negros exercitarem-na.” Virgínia, “ao som do tam-tam de Domingos”, iniciava então a pantomina – que muitas vezes glosava episódios bíblicos. A utopia era colonial, mas os filhos das involuntárias colonizadoras entravam já num processo de crioulização… em concordância, as famílias pobres de brancos “nascidos na ilha” não tinham comido “pão da Europa”. Daí nasce uma nova personalidade, que já não se nomeia exatamente como europeia: “Paulo, com doze anos, mais robusto e mais inteligente que os europeus com quinze”… quando, forçadamente, Virgínia parte ele, “indiferente como um Crioulo por tudo o que se passa no mundo, pediu-me para lhe ensinar a ler e a escrever, a fim de poder corresponder-se com Virgínia”. Virgínia, por sua vez, instada em França a esquecer o “país dos selvagens”, entende isso impossível, claro, e mais, que a França é que era “um país de selvagens”…

A antecipação desta espécie de romantismo crioulo imaginado por europeus torna-se mais evidente (também nas suas fontes e limitações) através dos diálogos didáticos entre o velho narrador (um europeu dos trópicos, como as mães) e Paulo.

Uma das partes fracas da novela está em várias falas do velho ao longo do livro. Isso deve-se a que ele representa ali o pensamento do autor e Bernardin de Saint-Pierre tinha um tal amor e sentimento de posse pelos seus raciocínios que não conseguia libertá-los ao ponto de encarnarem na configuração de outra pessoa. Além disso, a estrutura do diálogo em literatura, filosofia, oratória, tinha seus ilustres antecedentes, que a utilizaram justamente para subordinar personagens à função exclusiva do elogio e da divulgação de ideias próprias…

O modo de vida do velho narrador é um idílio horaciano, com tons do Telémaco (francófono) da vida campestre …e sem escravos, embora também sem família. Ali percebemos que está o sonho do próprio autor para quem não tenha encontrado (como ele) a (rara) mulher certa para o acompanhar. A figura do narrador não só substitui a do autor, na sua função de contar a estória também incorpora um dos modos de vida que ele tinha por ideais.

A fala do velho a Paulo estabelece explicitamente o novo evangelho, que foi o da Revolução mas também o de muitos românticos, a maioria aliás: “o melhor dos livros, que não prega mais que a amizade, a humanidade, e a concórdia, o Evangelho”. Mas que Evangelho? Como olhar para ele? Imediamente colada aparece uma oração subordinada que denuncia a Europa como vários angolenses gostariam de o fazer: o Evangelho

serviu durante séculos de pretexto aos furores dos europeus. Quantas tiranias públicas e particulares se exercem ainda em seu nome sobre a terra!

Pouco depois ele aproveita o discurso para dirigir uma crítica à França contemporânea: a glória (literária), a ciência, a poesia, não interessam às elites atuais, só a riqueza. Daí uma corrupção geral e pessoal, afetiva, social e económica (não admira que os angolenses se revissem também neste aspeto particular, em particular Cordeiro da Mata, a quem tudo isso parecia chocar). A mentalidade corrupta leva à concentração de muita riqueza em poucas mãos e ao sentimento de vergonha perante o trabalho (quem trabalha é objeto de desprezo por parte da elite), sobretudo o trabalho manual, ainda mais o da agricultura. A mentalidade corrupta é preconceituosa e precisa de preconceitos, é manipulando-os que progride sobre os outros. Ora o preconceito e a busca de riqueza a qualquer custo conduzem os homens naturalmente bons a comportamentos agressivos, em que precisam de subjugar-se uns aos outros (tal como as nações umas às outras) para se afirmarem.

Por tanto, a França estava em decadência, porque “a prosperidade de um Estado depende sempre da multitude e da igualdade das pessoas, e não de um pequeno número de riquezas”. A natureza tudo balança, tudo equilibra, mesmo um excesso com outro excesso, “todo o efeito aumenta pelo seu contraste”, mas neste ambiente (corrupto) o equilíbrio torna-se insuportável para pessoas de virtude, porque o vício não tem proporção nem medida. Essa a França que depois irá matar o amor de Paulo e Virgínia.


Numa fala posterior, mas integrada nesta mesma secção (das conversas que o velho narrador ia tendo com Paulo durante o ‘exílio’ de Virgínia), faz-se o elogio das ‘letras’, que ordenam universalmente, honram, acalmam as paixões (aqui o tópico é neoclássico), derivam de um “fogo divino”, combatem a opressão, mas são combatidas por isso… Antes ele já tinha definido a nobre função política do escritor, numa proposição seguida mais tarde por muitos angolenses: como não seria feliz o escritor

... ao pensar que a sua obra irá, de século em século e de nações em nações, servir de barreira ao erro e aos tiranos

Alheio ao estudo da geografia política e da história das guerras, Paulo começou a ler romances apaixonadamente. E nenhum lhe deu mais prazer “que o Telémaco, por seus quadros de vida campestre e pelas paixões naturais do coração humano”. O mesmo Telémaco das nossas fontes, que tantas leituras terá tido em Angola desde muito cedo (Pacheco, 2000 p. 40), não o que aparece na Odisseia mas a versão francesa, de Fénelon.

Em toda a estória, o ambiente bibliográfico referido opõe geralmente os clássicos aos contemporâneos, ou quase, com vantagem para estes. Mas a referência principal, ou de fundo, continua sempre sendo de clássicos gregos e latinos. Opõe também (já Camões o tinha feito) o engenho antigo às invenções modernas (com vantagem para estas), tudo no mesmo pacote, como sucede na longa e inadequada introdução à edição, por subscrição, da obra. Para o que perseguimos ao longo deste volume, o que interessa é que a sua biblioteca de referência vem até ao “divino Fénelon”, ao já citado Rousseau, não tem bibliografia romântica. É uma biblioteca ainda própria do período imediatamente anterior, que marcou a adolescência e juventude dos primeiros românticos e que resumi na primeira parte deste livro (v. começando com os clássicos).

Neste contexto bibliográfico, a conceção da beleza e do mundo, em razão da natureza contrapolar e tendente ao equilíbrio, fica determinada por uma proporção – nisto se evitando o desregramento romântico:

A beleza, a virtude, a felicidade, têm proporções

Por equilíbrio, uma estória tipicamente romântica, uma estória que trouxe gemidos profundos às mais castas donzelas do Romantismo, surge do meio desse ambiente bibliográfico clássico e neoclássico.


Um título 'noveloso' (como diria Ariano Suassuna) que se torna incontornável aqui é o da História do imperador Carlos Magno e dos doze pares de França, referido, mais atrás, a propósito de F. Gomes de Amorim. Na tabela de livros requeridos para o Rio de Janeiro entre 1769 e 1807, organizada por Márcia Abreu, a sua procura colocava-o no número sete de dez, juntamente com Caroline de Lichtfield (Montolieu, 1802)[22], Don Quijote[23], os Lances da Ventura[24] e as Rimas de Bocage (Abreu, 2008). Sabemos que “novelas populares, como Carlos Magno e os 12 Pares de França e Roberto do Diabo”, eram comercializadas no Rio de Janeiro, entre 1820 e 1821. A sua procura, no mercado bibliográfico investigado, melhorou a posição na tabela dos mais requeridos entre 1808 e 1826 (era o número cinco de dez (Abreu, 2003 p. 107)) e não deve ter mudado muito até 1842, pelo menos. Segundo Ubiratan Machado, a sua presença dominava as bibliotecas particulares brasileiras até à década dos trinta e persistiu “durante muitas décadas” (Machado, 2001 pp. 206-207, 53). Em 1826 J.J.B. verteu para português a obra, numa tradução que foi publicada em 1827, ano do nascimento de Maia Ferreira. Já em declínio da sua longa popularidade[25], Alexandre Herculano, quando critica a “propriedade literária”, dirige-se a Garrett: “sabe V.ª Ex.ª quem ganharia imensamente em viver hoje? O auctor do Carlos Magno”. Isto atesta, mais que a popularidade, a banalização da obra. Que no entanto não deixou de ser importante para escritores românticos. Entre os escritores brasileiros tipicamente românticos também José de Alencar o leu, para além de Gonçalves Dias (v. atrás). O significado da obra atualizou-se com o Romance da Pedra do Reino de Ariano Suassuna, bem como no cordel popular nordestino, que o intertextualiza vivamente, como se pode ver em Leandro Gomes de Barros.

As duas últimas referências escritas alertam-nos para outra via de penetração e permanência da História do Imperador Carlos Magno e dos Doze Pares de França: a popular, oral, tradicional. Ao longo deste livro me reporto várias vezes a testemunhos diversos que a certificam e posso acrescentar aqui mais um. Os testemunhos relacionam essa memória com África, sobretudo Cabo Verde e São Tomé, onde se popularizaram e enraizaram variantes da estória, tal como no Nordeste brasileiro. Nesse aspecto, é importante anotar aqui que o próprio Eça de Queiroz, quando estava a ser criado e educado pela sua avó, aprendeu essa história de “criados negros” que ela tinha. Transcrevo a informação de Filomena Mónica:

Eça formou o seu carácter ao colo de uma velha avó, que lhe lia versos de Mendes Leal, e de um casal de criados negros, que lhe contavam a história de Carlos Magno.

Portanto a procura e circulação estavam asseguradas, no período em análise, na sequência de um período anterior igualmente marcado pela popularidade mesmo ao nível das oraturas. A novela grega do período helenístico teve um papel semelhante: muito comerciada, a crítica não lhe reconhecia importância para autores como Petrónio e outros, antigos e recentes. Também será preciso (ou já foi feito?) compreender as relações entre a chamada “baixa tradição” da novela, ou a “novela popular”, e obras como as de José de Alencar e Gonçalves Dias. Incluindo nesse largo espetro o “noveloso” título da História do Imperador Carlos Magno e dos Doze Pares de França.


Gil Braz de Santilhana é outro título presente no quadro bibliográfico em estudo e que entra nesta nebulosa de medievalidade, brumas do norte, romanceiro popular, Romantismo e novelística do século XVIII. O seu autor (Alain-René Le Sage – também escrito Lessage (1668-1747)) está representado ainda nas fontes pernambucanas pelo Diabo coxo (sem indicação de autor) em anúncios de 1837 e 1840, apesar de vir já o original de… 1707. Um factor decisivo para o mercado da época pode ter sido a reimpressão, pela Imprensa Régia, em 1810, no Rio de Janeiro. Outro foi que Bocage traduziu para português a obra, havendo na Biblioteca Nacional de Lisboa exemplar de 1797, que entrou para a posse de António dos Santos Callado em 1817. Essa tradução era anunciada no Recife em 1837 e 1840, tendo sido igualmente encontrada num espólio de Benguela de 1856 (uma edição em quatro volumes). Podia não se referir à primeira edição, mas à segunda (de 1800), ou a outra posterior ainda. Há, naturalmente, muitas mais edições, uma delas a quarta obra mais popular entre os livros requisitados (a partir do Rio de Janeiro) à censura no período 1769-1807 (Abreu, 2003 p. 90).

Fagundes Varela tinha, quando foi penhorada a sua pequena biblioteca (56 volumes), um volume de “Le Sage”, que me parece “Lesage”, não sei se o do Gil Braz ou outro. Entre os livros mais requeridos para entrar no Rio de Janeiro, no período que vai de 1808 a 1821, a obra ocupava o terceiro lugar da lista, à frente de Carlos Magno como já no período anterior (Abreu, 2003 p. 114). Num relatório de um negociante francês ativo na praça carioca, relatório com data de 1820, aparecia de novo referência a “Gil Braz”. A obra foi publicitada entre 1808 e 1843 nos jornais cariocas (Mançano, 2010 p. 276; Neves, et al., 2018 p. 91) e reeditou-se ainda em 1885 (em dois volumes), atestando a continuidade comercial do produto ao longo do século (visto que há edições desse ano e de 1819 [nova ed., rev. e em., Paris, Theophilo Barrois Filho], 1835 [Paris, Paulin], 1836 [“nova ed. trad. em português”, Lisboa, A. J. das Neves], 1850 [Typ. Lisbonense], 1859-1860 [Morando]).

O autor, acusado nestas obras (Gil Braz e o Diabo coxo) de plágio e colagem de originais espanhóis, deu porém tal qualidade aos novos macro-textos que os próprios espanhóis, não só os portugueses, preferiam traduzir as suas obras.

Alain-René Lesage nasceu numa aldeia próximo de Vannes (Bretanha, França) a 8.5.1668, filho de um advogado e tabelião. Órfão cedo, foi no entanto orientado e apoiado por um jesuíta. Acabou por estudar Filosofia em Paris, onde se juntou com uma senhora rica antes de se apaixonar por uma mulher do povo com quem se veio a casar e ter filhos. Nessa história feliz há que destacar o papel do abade “Júlio Paulo de Lyonne, filho do afamado ministro do mesmo apelido” (Bordalo, 1856 p. 35), que, além dos restantes apoios, lhe assegurou uma pensão de 600 francos. Foi este protector quem vivamente aconselhou Lesage a pegar na literatura espanhola para juntá-la com a francesa. Voltaire e outros acusavam-no repetidamente de plágio, mas Walter Scott tomou o seu partido e mostrou as diferenças trazidas pela sua escrita. Se necessário fosse, isto garantiria, para todo o Romantismo, um público fiel a Lesage. F. M. Bordalo, reforçando Scott depois de o citar, alerta para “o riso, a graça, o sabático do plagiário” em Diabo coxo (face a El diabo cojuelo, de Luiz Velez de Guevara). O escocês realça em Gil Blaz a “conceção geral da obra” (Bordalo, 1856 p. 36).

Finalmente, um livro que não coincide com o Diabo coxo mas anda perto (pelo título) era anunciado no Recife, no Diário de Pernambuco, em 3.6.1840 e surgia num espólio benguelense de 1856: Memórias do Diabo. Não se indica o nome do autor. Acho no entanto que se trata da obra homónima de Frédéric Soulié (1800-1847), cujos primeiros fragmentos aparecem no ano de 1837, sob a forma de folhetins, em que se tornou popular e exímio, sendo lido pelo menos no Rio de Janeiro (Alencar, 1893 p. 17), por exemplo no Jornal do Comércio, que em 9.3.1844 começava a publicar O leão apaixonado. Quanto a Memórias do Diabo, a temática não é original: um nobre vende a alma ao Diabo em troca da satisfação de todos os desejos e o resto do romance vive da exploração de possíveis aventuras daí decorrentes (incluindo aquelas que pensamos modernas, perversas). Mas de Soulié trato na secção dedicada ao romantismo francês.


Gil Braz misturava-se também, neste ambiente, com El ingenioso hidalgo Don Quijote de la Mancha, de Miguel de Cervantes, anunciado no Recife ainda em jornais de 1837 e 1840 e no Rio de Janeiro ainda em 1844 (Mançano, 2010 p. 275). Aparecem juntas as referências na bagagem de uma senhora em 1819 e de um padre em 1799, que viajavam por navio. Em 1809, um visitante estrangeiro pede que lhe sejam entregues livros que pretendia trazer para seu estudo e entretenimento, entre os quais a anti-epopeia espanhola. Em 1796 Joaquim Feital trazia para o Rio de Janeiro, entre outras sete obras declaradas, “D. Quixote de la Manche”, portanto uma possível tradução francesa. Nas listas de livros submetidos à autorização da censura antes de importados, no período que vai de 1769 a 1807, D. Quixote alinhava na sétima posição, desaparecendo da listagem seguinte (1808-1826 (Abreu, 2003 p. 107)), portanto passando para além da décima posição no que diz respeito à censura lisboeta, mas reaparecendo na sétima posição no que diz respeito aos livros submetidos ao Desembargo do Paço, no Rio de Janeiro, entre 1808 e 1821 (Abreu, 2003 p. 115).

Essa obra, que se mantém atual, marca também o cordel popular brasileiro e escritores românticos de nomeada. Vários autores até hoje se reconhecem nela. Significativamente, Gabriel García Marquéz, na sua autobiografia (Vivir para contarla), fala nas primeiras obras que conheceu, na versão de estórias infantis feita oralmente por uma narradora (venezuelana) de Aracataca (na Colômbia), e refere, entre outras, o D. Quixote (as outras: Odisseia, Orlando furioso, O conde de Monte-Cristo “e muitos episódios da Bíblia (Marquez, 2011 p. 43)). A narradora popular da longínqua (embora diversa) Aracataca, naquela época, repetia portanto a obra-prima de Cervantes, como as outras, demonstrando o quanto calara fundo no inconsciente coletivo e popular.


Heloísa e Abelardo, Julie ou la Nouvelle Héloïse, as Cartas de Heloísa e Abelardo, fazem parte desta constelação numa perspetiva que terá sido reforçada, na cultura portuguesa, pelas Cartas de Soror Mariana Alcoforado. Os títulos em torno da história de Heloísa e Abelardo são dela parte significativa por vários motivos. Ambos se encontram nas listagens de livros que investiguei. A censura também as investigou e desconfiava delas, num período imediatamente anterior. 

A estória em si de Heloísa e Abelardo é um símile da época estudada. Deriva de uma narração cheia de elogiosas referências a Platão, Ovídio, enfim aos clássicos, cheia de filosofia e, apesar disso, conta uma estória de amor apaixonado, irreversível, que é uma outra iniciação para o inteligente Abelardo e sua secreta e não menos inteligente esposa espiritual. O amor dos protagonistas possui os tons trágicos e fatais das novelas populares. A autêntica história suscita-nos muitas problemáticas: a irreversibilidade do amor romântico (de quem “tivesse experimentado a força do amor”); a troca desse amor pela fama e o recolhimento conventual em vez da morte; a sensibilidade ao mesmo amor enquanto iniciação, que o século XVI português conhecia com a beleza dos versos de Sá de Miranda e Camões e com a filosofia de Leão Hebreu; enfim, uma superação, pelo Amor, do legado clássico: “o que se refletia em nossos olhos era muito mais o amor do que a página escrita”; um amor “não forçado pelos laços do vínculo matrimonial” e misturado com versos, cartas muito bem escritas, referências a filósofos, enfim, um amor instruído e romântico. Há depois uma católica sublimação da tragédia, que procurava transformar o arrependimento numa reaproximação espiritual dos amantes (visto que Abelardo teria sido castrado) por intermédio cristão. Subsiste, apesar disso, a contrastante simpatia maior (ao arrepio da época) pelo legado clássico greco-latino, que sobressai na obra de Abelardo. Finalmente, ressalta a problemática sobre a qualidade de percursor (ou não) do racionalismo dos séculos XVI e XVII (na medida em que o início da Escolástica tivesse algumas preocupações comuns com o início da Renascença). Passados pelas mãos de Rousseau, o mito e as questões filosóficas por ele suscitadas, o século XIX romântico veio a rever-se grandemente nas vítimas inteligentes e puras da sociedade sem amor e sem razão. Era atrás dessa operação quase alquímica que os livreiros e outros negociantes corriam também na época em estudo. Junto com eles, com Abelardo e Heloísa vinham Ovídio e Platão depor as metamorfoses eróticas sob as mui dignas sombras da caverna.


Uma ‘novela’ que, pela forma e pelo conteúdo, ultrapassa igualmente os limites do seu público específico é Adolfo, de Benjamin Constant. O nome do autor aparece pelo menos sete vezes nos anúncios do Diário de Pernambuco e três obras suas (Commentaire sur l’ouvrage de Filangieri (Constant, 1822); De la Religion considérée dans sa source, ses formes et ses développements (Constant, 1830); Discours de M. Benjamin Constant à la chambre des députés (Constant, 1827-1828)) permaneciam, há cerca de uma década, na Biblioteca do Governo Provincial de Luanda. Uma das referências pernambucanas é à sua “Obra”, sem mais especificação; outras duas não mencionam título; outra refere-se ao “Sentimento Religioso”, mais duas para o “Curso de Política” ou “Curso de Política Constitucional” e uma para as “Obras Políticas”[26]. Um dos livros anunciados sem menção de título era, provavelmente, o mesmo curso de política, pois em ambos os casos se indica oito volumes. Os seus Discours à la chambre des députés encontravam-se, também, no espólio de José Lino Coutinho, professor na Fac. Medicina de Salvador e estadista de carreira longa e bem sucedida. De maneira que não sabemos se a novela Adolfo terá sido lida no Recife nesse tempo, já que se percebe, tanto no Recife quanto em Angola, que se procurava o Benjamin Constant político. Ainda assim, dada a popularidade que atingiu a novela, a que se soma a popularidade do seu autor, é natural que sim.

Adolfo apareceu pela primeira vez em 1816, em Londres, onde Constant se refugiara em 1815, a seguir aos Cem Dias. Esta data não é inócua: é no mesmo ano que sai o primeiro romance de W. Scott, Waverley. Raynouard inicia a publicação “de uma coleção de poesias originais dos Trovadores” e Lamennais ordenava-se padre, publicando no ano seguinte o seu Ensaio sobre a indiferença em matéria de religião, que se venderá no Rio de Janeiro na casa Laemmert. Adolfo terá sido escrito em 1807, mas o que interessa aqui é o ambiente bibliográfico no qual vem a público.

A novela denota já bastante “o espírito romântico”, desde logo pela concentração e pela intensidade no amor e em sentimentos íntimos, como pela sensibilidade que revela. Segundo o prefaciador, “ultrapassa pela análise psicológica das personagens” muito do Romantismo. A sua leitura passa por aspetos autobiográficos, o que permite associá-la mais ainda ao “espírito romântico”, apesar dos desmentidos do autor em prefácio à segunda edição. Com Adolfo responde B. Constant ao romance Corinne ou l’Italie (foi escrito depois de uma viagem por Itália) de M.e de Stäel, publicado no ano de redacção de Adolfo. Mais, B. Constant, amante subjugado de M.e de Stäel, era um dos protagonistas de Corinne (o próprio, claro, desmentia as leituras autobiográficas das duas obras, explicitamente).

Escrito provavelmente no castelo de Coppet, na Suíça, onde a sua amante se refugiara levando-o consigo, o romance veio a ser publicado só vários anos mais tarde, como disse (1807). Ao longo desse tempo Benjamin Constant lia a obra em círculos de amigos, o que nos faz pensar que a pode ter remodelado em função de observações e reações e, portanto, que o ambiente bibliográfico no qual a obra surge pode ter sido atuante ao nível da própria composição, não só a nível da receção. Ao mesmo tempo o autor foi subindo na carreira política e a ascensão veio facilitar a popularidade inicial da novela-romance.

Mas o “formidável êxito deste romance deve-se sobretudo à admirável análise dos dois carateres” em contraste, a personagem masculina tímida e fraca dominada por uma personagem feminina violenta e amorosa. Outra qualidade essencial à grande procura que a obra registou é a de o autor não se perder em peripécias inúteis, dispensando tudo o que não fosse necessário à ação, melhor, à condução das ações para o final. Finalmente, o sentido da totalidade e autonomia da obra face à realidade que a inspirou tornou-a também mais agradável ao público. Disse Saint-Beuve, com razão, que o “autor escolheu duas histórias reais (que dividem a peça em duas partes), combinou, transpôs, inverteu em certos pontos as situações e os papéis, para melhor traduzir os sentimentos”. Com o que a “pequena obra-prima reúne um duplo caráter de arte e verdade”. Um caráter já romântico, diria.

Profundamente romântico é o amor que relata a estória e a defesa desse amor feita no prefácio à terceira edição. Do lado do sentimento se coloca a verdade, o bem, o sofrimento; do outro lado as conveniências, o cinismo da sociedade, o mal e a falsidade. Claro que o amor rompe as barreiras do preconceito, porque lhe é superior e porque há nele qualquer coisa de sagrado, tanto mais quanto mais os amantes sofrem e sentem. “Há qualquer coisa de sagrado no coração que sofre porque ama” é bem uma máxima romântica.


A proliferação de novelas e seus conteúdos foi, como atrás escrevi, objeto de crítica por parte de vários setores sociais e nessa crítica aparecem nomes do romantismo brasileiro, como Álvares de Azevedo. Por isso até hoje desprezamos as novelas do tempo – com essa atitude alijando do nosso estudo uma parte fundamental do ambiente literário da época. No século XIX apontava-se, com justeza, quer os excessos sentimentais, quer as imoralidades dessas narrativas (imoralidades que, porém, o eram face a uma moral católica europeia que algumas novelas também criticaram, frontal ou subtilmente). No que diz respeito ao aspeto sentimental ter-se-ia, porém, em mente, como nas reservas colocadas à proliferação de dramas e comédias, um mercado bibliográfico já romântico, liberal, animado pela caça ao dinheiro através dos direitos de autor e das editoras. A crítica, apesar disso e não distinguindo as novelas umas das outras, demonstra o divórcio existente entre a maioria do público e os seus escritores principais: o público aderia às peças e ficções que os escritores diziam detestar. Os escritores precisavam do público, logo, tinham algo a aprender com ele, razão pela qual teriam lido as criticadas novelas (e seria só?). A Imprensa Régia, seguindo uma linha editorial formadora mas abrangente, chegou também a publicar novelas galantes. O público em geral é que não parecia fazer grandes distinções entre autores artisticamente mais acabados e simples contadores de estórias. O que lhe interessava mesmo eram as estórias, os enredos, peripécias e desenlaces, principalmente os compungentes. Ao resto fechavam os olhos – se é que tinham chegado a abri-los. Os escritores mais cultivados escreveram também novelas ou romances, mas com exigência estética superior à do seu público – ou a pretensão disso.






[1] Tem um prefácio de Pichot de 1823, pelo que deduzo que deve haver edição anterior ainda à que encontrei.
[2] Original francês, anunciou-se no Rio de Janeiro, pelo menos, entre 1812 e 1843 (Mançano, 2010 p. 280).
[3] Anunciado no Rio de Janeiro desde cedo e no Rio também (por exemplo na Gazeta do Rio de Janeiro de 09-03-1817 (Mançano, 2010 p. 8)). Vendeu-se na então capital brasileira entre 1817 e 1844 (Mançano, 2010 p. 284). Em 1844 houve, no carioca Jornal do comércio, cinco anúncios desta obra. Há um exemplar novecentista na Biblioteca do Governo Provincial de Luanda. Mais nenhuma obra do autor comparece.
[4] Não li referências precisas a esta edição, incluída numa série dedicada a “Voyages imaginaires, romanesques, merveilleux, allégoriques, amusans, comiques et critiques, suivies des songes et visions, et des romans cabalistiques”.
[5] Anunciado no Jornal do comércio, por ex. a 19-04-1830 (Mançano, 2010 p. 54).
[6] Traduzida para português em 1815, com tradução impressa na Tip.ª Rollandiana. Sendo em dois volumes é provável tratar-se da mesma referida no anúncio. O título verdadeiro é Joaninha ou a enjeitada generosa: história instrutiva e divertida. Sob título igual mas apenas mencionando a primeira parte, o livro era anunciado na Gazeta do Rio de Janeiro em 1819 (Mançano, 2010 p. 18) e no Jornal do comércio em 19-04-1830 e em 08-05-1830 (Mançano, 2010 pp. 54-55).
[7] Ou peruana, escrita pela Senhora de Graffigny. Há uma tradução, do francês, feita por “uma senhora” e publicada em Lisboa em 1802 (tip.ª de Simão Tadeu Ferreira); uma segunda tradução, também do francês, é de 1828 (tip.ª Rollandiana). Foram anunciadas no Rio de Janeiro entre 1812 e 1843, pelo menos (Mançano, 2010 pp. 71, 278). A edição original é de 1747.
[8] Luiza ou a cabana na lagoa, de Elizabeth Helme, em tradução portuguesa para a qual não encontrei data (1806, talvez) impressa em dois volumes. Foi também traduzida com outros títulos (p. ex.: Luísa ou a casa do mouro). A edição original é de 1787. Há uma tradução, impressa na Rollandiana, de 1816, em dois tomos, com o título Luiza ou a cabana no deserto. A autora morreu em 1810.
[9] A mulher feliz dependente do mundo e da fortuna. Há uma tradução para português, “pelo tradutor do Viajante universal”, impressa em 1807 na Rollandiana.
[10] Adriana ou a história da marquesa de Brianville. Foi traduzida e impressa em português em 1827, na Rollandiana, em seis tomos. A tradução é feita a partir do “hespanhol”, mas o original é do abade italiano Pietro Chiari (1711-1785), sendo a edição original a de Veneza de 1754.
[11] Alberto ou o deserto de Strathnarven”de “Helm” (suponho que Elizabeth Helme e Alberto or the wilds of Strathnavern). A ed. original é de 1799, de Londres. A tradução portuguesa (em trªes tomos, de J.M.C.B,) é impressa na Rollandiana em 1827, ano do nascimento de Maia Ferreira, mas a partir da segunda edição francesa, com tradução de Lefèvre.
[12] A órfã inglesa ou história de Carlota Summers, trad., em quatro volumes, do original inglês (Londres, talvez publicada em 1750). Na Biblioteca Nacional de Lisboa há um título idêntico (A orfã inglesa), em francês, atribuído a Sarah Fielding. No Jornal do comércio do Rio de Janeiro o título era anunciado apenas uma vez em 1844 (Mançano, 2010 p. 275).
[13] Há uma tradução portuguesa, que transcreve o nome da autora como d’Aulnoy, sendo o título homónimo. Imprimiu-se em dois volumes na tipografia de Ant.º Rodrigues Galhardo, em 1824.
[14] Etelvina ou história da baronesa de Castle-Acre. Foi traduzida para português e impressa em Lisboa na Rollandiana, em três tomos, em 1816. Publicitou-se no Rio de Janeiro entre 1816 e 1843, pelo menos (Mançano, 2010 p. 279).
[15] Celestina ou os esposos sem o serem. Foi impressa em Lisboa, 1813-1815, em quatro volumes, na oficina de Ant.º Rodrigues Galhardo. Foi anunciada no Rio de Janeiro entre 1815 e 1837 (Mançano, 2010 p. 278). O título Celestina, novela espanhola aparece entre os livros citados por Mançano; dessa novela há uma edição de 1595, referida por Roger Chartier (Chartier, 2008); a edição original é de Burgos, 1499.
[16] Há uma tradução, para português, de 1818. Integrada nas Novelas escolhidas, aparecia nos anúncios dos jornais cariocas da época em estudo (Mançano, 2010 p. 103).
[17] Impressa na Rollandiana em 1815. Era, provavelmente, esta a edição que circulava no Rio de Janeiro e se fazia anunciar nos jornais locais entre 1816 e 1843 – pelo menos (Mançano, 2010 p. 279).
[18] Cujas primeiras edições eram do séc. XV e que foi traduzida e publicada no Rio de Janeiro pela Imprensa Régia.
[19] Leocádia ou a inocente vítima do crime, impressa na Rollandiana em 1818 e, mais tarde (1820), incluída na coletânea Novelas escolhidas, integrada na qual anunciou-se no Rio de Janeiro no período estudado por nós (Mançano, 2010 p. 103). Em 1844 já só foi publicitada uma vez no Jornal do comércio (Mançano, 2010 p. 274).
[20] Roxelane feliz ou o casamento inesperado, como era anunciada na Gazeta de Lisboa de 16-06-1825 (p. 578), altura em que “sahiu à luz”.
[21] Ainda anunciado, por duas vezes, no Jornal do comércio do Rio de Janeiro em 1844 (Mançano, 2010 p. 275).
[22] Vendeu-se e anunciou-se bastante no Rio de Janeiro até, pelo menos, 1836 (Abreu, 2003 p. 90; Mançano, 2010 pp. 18, 40, 54-55, 278).
[23] Que se anunciava regularmente no Rio de Janeiro durante o período estudado.
[24] Foi anunciado no Rio de Janeiro, pelo menos, entre 1812 e 1843 (Mançano, 2010 p. 281). Aparece num espólio de Benguela de 1857, em seis volumes, uma edição que deve ter saído a primeira vez em 1830. Lopes de Mendonça considerava-o “mau romance”.
[25] Regiane Mançano regista apenas um anúncio no Jornal do comércio em 1844 (Mançano, 2010 p. 273).
[26] Que se vendiam por anúncio a 9 de Março de 1842 (p. 4).

Comentários